Wednesday, May 16, 2007

Quem precisa de tradução juramentada?

Olá a tod@s,

o assunto de hoje é bem prático e rápido (vou tentar...).

Definição:

Tradução juramentada é a tradução oficial, feita por tradutor público, exigida legalmente em todo território nacional para que documentos redigidos em língua estrangeira produzam efeito em repartições da União, dos Estados ou dos municípios, em qualquer instância, Juízo ou tribunal ou entidades mantidas, fiscalizadas ou orientadas pelos poderes públicos (artigo 157 do Código de Processo Civil e Decreto Federal no. 13609 de 21.10.1943). A tradução juramentada tem fé pública em todo o território nacional e as versões são reconhecidas na maioria dos países estrangeiros. Em suma: se você é estrangeiro e se mudou para o Brasil, vai precisar traduzir seus documentos (carteira de identidade, passaporte, históricos escolares e diplomas etc.) para o português com um tradutor juramentado (brasileiro). Se você vai se mudar para a Itália, vai precisar fazer o mesmo com um tradutor juramentado italiano.

Quem é habilitado a fazê-la?

O profissional devidamente concursado e habilitado pela Junta Comercial do respectivo Estado onde tem seu ofício, de acordo, principalmente e entre outros, com o Decreto Federal no. 13.609 de 21.10.1943 e, em São Paulo, obedecendo às deliberações (principalmente Deliberação 4-80) e às tabelas oficiais de emolumentos da Junta Comercial do Estado de São Paulo.

Esse concurso que é o grande problema. O último, no Rio de Janeiro, foi ainda na década de 80 (ah, se eu tivesse nascido um pouco antes...). Em São Paulo, houve um em 1999. O problema é que, como disse, o tradutor é habilitado pela Junta Comercial de cada estado. A isso equivale dizer que um tradutor de um estado não pode, em teoria, trabalhar para outro, a menos que esse outro estado não disponha de tradutores para uma determinada língua - não é o caso de S. Paulo. Mas eu conheço gente aqui do Rio que arranjou endereço de sobrinho, tio, primo, irmão do namorado para fazer o concurso em S. Paulo. É o famoso jeitinho brasileiro (traduzindo: Estado vs. Cidadão).

Quando abrirá novo concurso? Deus sabe. O SINTRA e a ABRATES enviaram várias cartas à nossa querida ex-vendedora de Avon que se tornou governadora explicando que um concurso para tradutor público (o nome oficial da função é "tradutor público e intérprete juramentado") não traria gastos ao estado, mas sim aumento de arrecadação. Por quê? Quando um camarada passa nesse concurso, ele não se torna funcionário público, apenas um tradutor freelancer (que vai precisar arregimentar seus próprios clientes) que paga ISS, IR e INSS. Ele apenas tem o direito, diferentemente de outros tradutores, de carimbar suas traduções conferindo-lhe fé pública.

Como é a prova? Segundo a Lei 13.609/43, regulamentada na Instrução Normativa nº 84/2000 do DNRC, as provas seguem este padrão: I - prova escrita, constando de versão, para o idioma estrangeiro, de um trecho de trinta ou mais linhas, sorteado no momento, de prosa em vernáculo, de bom autor; e de tradução para o vernáculo de um trecho igual, preferencialmente de cartas rogatórias, procurações, cartas partidas, passaportes, escrituras notariais, testamentos, certificados de incorporação de sociedades anônimas e seus estatutos; II - prova oral, consistindo em leitura, tradução e versão, bem como em palestra, com argüição no idioma estrangeiro e no vernáculo, que permita verificar se o candidato possui o necessário conhecimento e compreensão das sutilezas e dificuldades de cada uma das línguas.

É sim, tem prova oral, porque, como disse, o tradutor deve também exercer o ofício de intérprete. Onde? Em tribunais (quando há, por exemplo, um réu estrangeiro), casamentos (perante o juiz de paz, quando um dos nubentes for estrangeiro) etc.

A prova é difícil? Sim, o nível de dificuldade é bastante alto (pelo que vi do último concurso no Rio e o de São Paulo). Essas "sutilezas" de que fala a lei são as famosas "pegadinhas" da língua.

Por que não abrem logo um concurso? Olha, eu só tenho uma explicação. Há por aí uma máfia dos tradutores juramentados (não são todos, admito, mas grande parte), um verdadeiro cartel. Esses tradutores montam empresas de tradução, põem estagiários para fazer as traduções, assinam e mandam bala - essas empresas são verdadeiras máquinas de se fazer dinheiro. Mas a prática é ilegal, pois, pela lei, quem tem que fazer tradução juramentada é o tradutor juramentado. Esses caras têm um certo poder e sabem que, se abrir um novo concurso, boa parte desse poder será perdida. Explicado?

Áreas de atuação (o que os tradutores juramentados traduzem?):

Tradutores:
1. Documentos pessoais: carteiras de identificação, passaporte etc.
2. Documentos de pessoa jurídica
3. Documentos de nascimento, óbito e casamento
4. Documentos para o requerimento de cidadania
5. Cartas pessoais
6. Cartas comerciais
7. Ofícios de empresas e universidades
8. Quaisquer documentos utilizados em julgamento


Intérpretes:
1. Celebração de casamentos
2. Interpretação em julgamentos
3. Visitas oficiais e diplomáticas

Como cobram?

Os emolumentos são tabelados pela Junta Comercial de cada estado. Vou aqui dar os preços para o estado de São Paulo porque, aqui no Rio, essa tabela é um verdadeiro mistério (coisa de quem quer cobrar mais do que devia).


A) - Textos Comuns: passaportes, certidões dos registros civis, carteiras de identidades, de habilitação profissional e documentos similares, inclusive cartas pessoais que não envolvam textos jurídicos, técnicos ou científicos:Tradução: R$ 25,00 / lauda Versão: R$ 31,00 / lauda.

B) - Textos Especiais: jurídicos, técnicos, científicos, comerciais, inclusive bancários e contábeis; certificados e diplomas escolares: Tradução: R$ 35,00 /lauda Versão: R$ 43,00 /lauda.

Parágrafo único: Para efeitos desta Deliberação, entende-se por equivalente a uma lauda de 25 linhas um conjunto de até 1000 (mil) caracteres (não computados os espaços em branco).

Artigo 3º - Por cópia autenticada, fornecida simultaneamente com a tradução será cobrado o valor correspondente a 20% (vinte por cento) dos emolumentos devidos pelo serviço original.

Artigo 5º - Nas versões de um idioma estrangeiro, para outro idioma estrangeiro, haverá um acréscimo de 50 % (cinqüenta por cento) aos respectivos emolumentos, prevalecendo ainda as disposições referentes às "cópias" e "traslados" autenticados, respectivamente.

Artigo 6º - Nas atuações como Intérprete em Juízo, perante autoridades processantes, em Cartório, ou em casos de serviços semelhantes, será cobrada pela primeira hora de serviço a importância de R$ 87,00 (oitenta e sete) reais, cobrando-se R$ 25,00 (vinte e cinco) reais para cada quarto de hora subsequente.


Artigo 10 - Será cobrado como sobre-preço um acréscimo de 50% (cinqüenta por cento) para os serviços urgentes e de 100% (cem por cento) para os serviços extraordinários sobre os valores fixados nesta tabela.

Parágrafo 1º - Entende-se por serviço urgente aquele executado e posto à disposição do interessado dentro dos seguintes prazos: 04 (quatro) horas para uma lauda de 25 (vinte e cinco) linhas datilografadas; 08 (oito) horas para duas laudas totalizando 50 (cinqüenta) linhas datilografadas; 12 (doze) horas para três laudas totalizando 75 (setenta e cinco) linhas datilografadas, e assim sucessivamente e proporcionalmente, entendendo-se pela expressão "horas" o horário comercial oficial adotado nos Municípios do Estado de São Paulo.

Parágrafo 2º - Entende-se por serviços extraordinários, aquele executado aos sábados, domingos, feriados e pontos facultativos.

Quais as obrigações de um tradutor juramentado?

1. Respeitar o código de ética do tradutor público (http://www.tradutores.com/etica_legislacao/codigo_etica.asp);

2. Fazer o registro de traduções. O tradutor juramentado é um verdadeiro cartório. Em sua casa (ou escritório), ele precisa arquivar, em livros de 400 páginas numeradas, sem rasuras e rubricadas, todas as traduções que já tiver feito. Se um antigo cliente precisar de uma cópia de tradução que o tradutor fez há muito tempo, só pagará 20% do valor da tradução;

3. Comprometer-se legalmente perante o texto traduzido. Se, de alguma forma, ficar provado que o tradutor não traduziu um determinado texto fielmente, o pobre pode ser julgado e preso;

4. Obrigar-se burocraticamente. O tradutor precisa estar disponível em horário comercial e só pode tirar férias 30 dias por ano, devidamente notificadas à Junta Comercial.

Características das traduções juramentadas:

1. Ela precisa ser "fiel", no sentido bem pejorativo da palavra;

2. Precisa ser "quase literal". Os tradutores juramentados não gostam quando dizemos isso, mas, ao comparar uma tradução livre com uma juramentada, a juramentada parece ser uma tradução mal-feita, feita por um aprendiz, pois tem o comprometimento de retratar todas as palavras do texto original;

3. A sintaxe e as escolhas lexicais são, em grande parte, estrangeirizadoras, preferindo seguir as estruturas do texto original a adaptá-las domesticadoramente às estruturas do português;

4. A consequência disso tudo é que a tradução juramentada acaba por criar um gênero tradutório ímpar - diferente das traduções livres.

Veja, por último, um exemplo:

TEXTO ORIGINAL


Certificate of Marriage


This is to certify that JOHN GILLS of MIAMI and State of FLORIDA, in THE UNITED STATES OF AMERICA and MARIA CARMESINA of SALVADOR and State of BAHIA, in THE FEDERAL REPUBLIC OF BRAZIL were united by me in THE HOLY STATE OF MATRIMONY at MIAMI DADE COUNTY, FLORIDA, on the thirteenth day of May, A.D. 1992. In Witness Whereof, Mark Solomon Spencer, Deputy Clerk.

TRADUÇÃO JURAMENTADA


Certificado de Matrimônio


Isto é para certificar que JOHN GILLS, de MIAMI, e Estado da Flórida, nos ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, e MARIA CARMESINA, de Salvador, e Estado da Bahia, na República Federal do Brasil, foram unidos por mim em sagrado matrimônio em Miami, Dade County, no dia 13 de maio de 1992. Em testemunho disto, Mark Solomon Spencer, Escrevente Representante.

TRADUÇÃO LIVRE

Certidão de Casamento


Certifico que John Gills, de Miami, Flórida, Estados Unidos da América, e Maria Carmesina, de Salvador, Bahia, República Federativa do Brasil, foram unidos por mim em matrimônio em Miami, Comarca de Dade, no dia 13 de maio de 1992. O referido é verdade e dou fé.
Mark Solomon Spencer, Escrevente.

Para obter mais informações, visite o site das associações de tradutores públicos do Rio de Janeiro e de São Paulo:


http://www.atprio.com.br/pages/menu.htm

http://www.atpiesp.org.br/mestre.htm

Um abraço e até o próximo post,

Rafael Lanzetti

Sunday, May 13, 2007

Como dominar um instrumento musical em 15 minutos


Olá a tod@s,

o assunto de hoje, música. Pra começar, veja uma citação de Samuel Johnson (esse camarada aí de cima):

"Difficult do you call it, Sir? I wish it were impossible."

Agora vamos entender a sentença. Samuel Johnson, escritor, tradutor e lexicógrafo inglês do séc. XVIII (quem quiser saber mais sobre ele, pode ler um artigo aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Samuel_Johnson), proferiu tal sentença quando, durante a performance de um consagrado violinista, conversava com um seu amigo sobre habilidade, capacidade, essas coisas. Minha interpretação da citação é a seguinte: Johnson, vislumbrando sua própria incapacidade, desejava que o tal violinista fosse uma aberração da natureza, que tocasse coisas que ninguém jamais tocaria, reduzindo, assim, de certa forma, a inabilidade das outras pessoas não-dotadas, dos meros mortais.

Isso nos leva à primeira dicotomia do dia: dom vs. talento. Antes de mais nada, vamos às definições: Dom seria a habilidade inata, genética, de um ser humano para realizar uma ou mais determinadas tarefas. O dom não se escolhe, nasce-se com ele. Como diz a palavra inglesa, gift (a palavra portuguesa também vem do mesmo radical, já que sua origem está relacionada ao verbo latino donare), o dom é um presente divino, dado a grupo de privilegiados, ou chamados, como queira. Aliás, a palavra chamado vem do grego ekklésios, e daí se origina a ekklesía, igreja - lugar onde se reúnem os chamados. Já o talento é uma habilidade adquirida com treinamento, esforço, suor e lágrimas.

Antes de continuar, deixem-me levá-los a fitar uma outra dicotomia: a visão germânica vs. a visão latina. Historicamente, a visão latina, fortemente influenciada pela instituição Igreja Cristã e por ideologias judaicas, muito dependentes da figura do Autor, Deus, Jeová, sempre apregoou que o que é dado aos homens vem de Deus. Sem nenhum julgamento ético, o que vejo aqui é a total dependência do divino no que tange a distribuição de tarefas sociais. Sou professor porque Deus quis assim. Meu tio é marceneiro porque Deus também assim o quis. Na sociedade latina, cristã, mais especificamente católica, portanto (e podemos vê-lo claramente na sociedade brasileira), o artista é aquele ser superior a quem foi dado um dom especial, um iluminado, um sortudo que nasceu com a bunda virada para a lua.

Por outro lado, a visão germânica, fortemente influenciada pelos preceitos protestantes de Lutero, Zuínglio, Calvino e Wesley, sempre prezaram pelo esforço, pelo trabalho. Tanto, que, à época da colonização inglesa no Novo Mundo, os peregrinos consideravam "abençoado" aquele que, com seu trabalho, prosperava financeiramente, tinha uma grande e eficiente família. O protestante sempre foi mais industrial que o católico. Por que será que, dentre as 10 nações mais ricas do mundo, 7 são protestantes? Será que religião e economia possuem linhas de interseção? Acho melhor não entrar nesse assunto agora, mas aqui vai um fato: o pai da sociologia alemã, Herr Max Weber, escreveu, em 1900, uma obra denominada Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus (A ética protestante e o espírito do capitalismo) em que argumenta que o capitalismo do fim do século XIX só foi possível devido à ética do individualismo e da eficiência dos protestantes germânicos.

Moral da história da dicotomia número 2: o latino, que crê em dons divinos, não apresenta a ética do esforço, não quer suar a camisa para aprender a fazer uma coisa para a qual acha que não possui dom. O germânico, que acredita no treinamento e em resultados, procura se esforçar, treina, estuda, a fim de cumprir o objetivo a que se destina. Só pra se ter uma idéia: existe uma plantinha pequenina que dá uma florzinha minúscula e que tem a propriedade de nascer em quase qualquer terreno, em qualquer clima. No Brasil, essa plantinha se chama Maria-sem-vergonha porque dá (!) em qualquer lugar. Na Alemanha, a mesma planta se chama Fleissiges Lisschen, ou "Elisinha esforçada" pois, com seu esforço, alcança esse surpreendente resultado de nascer em muitos lugares diferentes. É clara a diferença de visão, não é?

Minha posição: tendo a acreditar em talentos, habilidades que podemos desenvolver com o tempo, com o treinamento adequado e com paciência. O brasileiro, que não quer ter trabalho, espera aflorar o dom, e só assim se dedica, por exemplo, a uma atividade artística. Quando vê, porém, que o processo é demorado e de poucos resultados imediatos, logo desiste, dizendo que "não tem o dom praquilo".

Mas... Rafael, você não acredita em dom? Se duas crianças com o mesmo background social e intelectual começam a aprender um instrumento musical, o resultado das duas será o mesmo? Será que, em determinadas circunstâncias, uma das crianças não pode demonstrar uma certa, digamos, "facilidade" para a tarefa? Olha, minha educação paterna relativamente cética não me permite acreditar que essa "facilidade" derive de alguma informação genética (essa visão é denominada naturalista ou mesmo reducionista, proposta por alguns biólogos e biomédicos que acreditam que tudo que fazemos bem ou mal está descrito em nosso código genético). Creio que a "facilidade" tenha origem em três fatores:

1. Histórico ambiental - o grau de contato que a criança já teve com aquela atividade, ou mesmo com informações sobre ela;
2. Motivação externa - fatores circundantes que nos motivam a realizar uma tarefa ou desenvolver uma habilidade. Ex.: pressão psicológica dos pais, seu chefe dizendo que você precisa aprender inglês senão perde o emprego, o fato de você saber que aquela gatinha adora violão e ama quem toca bem o instrumento (sem duplo sentido), necessidades das mais diversas ordens, financiamento, entre outros;
3. Motivação interna - a motivação que vem de dentro de você, sua "vontade" de aprender.

Desses três fatores, o que obviamente se mostra mais eficaz é o terceiro. Assim, acredito que o ser humano, dotado por Deus (aí sim) de inteligência, capaz de realizar qualquer coisa, pode aprender, por meio de seu próprio esforço, motivado por fatores internos e externos, a realizar qualquer tarefa. A música é mais uma das artes que requer esse tal esforço.

Mas... Rafael, e o caso dos gênios? Mozart (já compunha aos 6 anos)? Beethoven? Bach (mudou a história da música)? Vila-Lobos (nunca pisou numa escola de música)? Bem, você mesmo não os chamou de gênios? Portanto, são aberrações. Você também é uma? Não? Então, não há jeito - você vai ter que se esforçar.

Voltando à música: quero aprender um instrumento, como faço?

A primeira coisa que se tem de entender é: não há idade para se começar. No entanto, o processo é menos dolorido quando se começa cedo. Eu tive a sorte de começar a aprender piano aos 5 anos de idade, numa época em que meus pés sequer alcançavam os pedais do piano. Aprender as musiquinhas infantis, inescapáveis no início do processo de aprendizagem de um instrumento musical, era "natural", já que era criança. Um adulto não pensa da mesma forma. A mesma coisa ocorre quando se aprende uma língua estrangeira, pois há o que os linguistas chamam de "período crítico de aprendizagem de língua" que, segundo o consenso da maioria dos teóricos, vai até os 7 anos de idade (vou falar melhor sobre isso noutro dia). O que quero dizer aqui é que um adulto vai precisar de uma boa dose de paciência a mais para aprender a tocar um instrumento musical, em comparação com uma criança.

Segunda coisa: que instrumento escolher? Bem, há três tipos básicos de instrumentos, os melódicos, os harmônicos e os rítmicos. Os intrumentos melódicos são capazes de produzir uma nota a cada vez, formando uma "melodia". São os instrumentos para solo, aparecem mais e, portanto, ideiais para quem gosta de sobressair, aparecer, mostrar-se para uma menina. Podem ser de sopro (os que recomendo para iniciantes são flauta doce, escaleta, flauta transversa e saxofone alto) ou de cordas (comece com um violino ou violoncelo). O grande inconveniente dos instrumentos de sopro, em especial da flauta transversa e do saxofone, é uma coisa chamada embocadura, a maneira como o instrumentista tem de posicionar os músculos da boca e da bochecha para produzir um som belo e firme. Até lá, o que demora, em média, um ano, o som que se ouve é de taquara rachada. Os intrumentos melódicos de corda têm aprendizado mais demorado, tem maior extensão musical, e poucas pistas de posição para iniciantes. O braço do violino não possui marcações. No início, o aprendiz precisa "adivinhar" onde exatamente cada corda precisa ser roçada pelo arco.

Os intrumentos harmônicos, os que têm a capacidade de produzir mais de uma nota de cada vez, formando acordes (agrupados de notas simultâneas) são obviamente mais complexos, como o piano, o violão/guitarra e o órgão/teclado, para citar os mais comuns. Só para se ter uma idéia, o pianista precisa coordenar movimentos na mão esquerda com movimentos completamente diferentes na mão direita, usando, para tanto, os dois hemisférios cerebrais ao mesmo tempo (são poucas as atividades humanas que requerem tal coisa, como a interpretação simultânea). A vantagem dos instrumentos harmônicos é a possibilidade de tocar sozinho, sem outros instrumentos, realizando toda a harmonia necessária a uma música completa.

Os instrumentos rítmicos, como a bateria, requerem uma boa dose de coordenação motora, mais poupam tempo de aprendizado de noções melódicas e harmônicas. Em outras palavras, um pianista precisa saber melodia, harmonia e ritmo; um saxofonista, melodia e ritmo; um baterista, ritmo.

Depois, você precisa decidir para que vai aprender um instrumento. Quer ser um virtuoso? Quer tocar no grupo de pagode da birosca? Quanto tempo e quanta dedicação serão atribuídos à aprendizagem do instrumento? Costumo dizer que, para aprender um instrumento musical, é necessário dedicar 1 hora do dia ao instrumento, pelo menos no início. Depois, esse tempo pode ir gradualmente diminuindo à medida que o instrumento for se tornando uma "extensão do seu corpo".

Agora vem a famigerada pergunta: tocar de ouvido ou aprender a ler partitura? Essa dicotomia pode ser resumida numa outra: aprender a fazer fazendo (na prática) ou estudando (na teoria)?

Hm, eu não sou a pessoa mais indicada para responder à pergunta imparcialmente. Sou acadêmico, acredito na Academia, acredito na teoria. A teoria, apesar de parecer, até certo ponto, inútil e abstrata, dá as bases críticas para que se desenvolva uma boa praxis. É possível aprender a traduzir sozinho, assim como é possível aprender a tocar um instrumento sem saber ler partituras, mas a diferença entre o tradutor que aprendeu traduzindo e o que fez um curso de tradução é que este segundo sabe criticamente o que está fazendo, que ferramentas linguísticas está utilizando, que processos de busca interna e externa está aplicando - o que certamente contribui para que o resultado final seja melhor. O músico que não sabe ler/escrever partituras poderá tornar-se um virtuoso, mas nunca poderá: 1. saber que notas, em que tom, em que cadência está tocando e 2. perpetuar o que toca, imprimindo em partitura essa sua virtuosidade.

Alfredo Vianna, mais conhecido como o eterno Pixinguinha, passou quase 20 anos de sua carreira de compositor de choros tendo que ditar suas composições a amigos que sabiam escrever partituras. Quando finalmente resolveu aprender teoria musical, libertou-se, passando a compor sozinho. Para a maior parte dos críticos musicais - e para o próprio Pixinguinha - a melhor fase de sua música é a pós-teoria. Ah, falando nisso, e aqueles métodos de banca de jornal para aprender sozinho... funcionam? A resposta é: não. Procure uma escola de música.

Em último lugar, deixem-me fazer uma derradeira pergunta: para que aprender um instrumento musical? Basta dizer que a música desenvolve e enriquece inteligências e atividades múltiplas, como a percepção, a atenção, a recepção e produção fonética (excelente para quem aprende línguas estrangeiras), o reflexo, a lateralização do cérebro (a capacidade de realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo, exigindo ativação de áreas diferentes do cérebro), a leitura dinâmica (para quem lê partituras), a sensibilidade, a paciência, a autonomia, a administração do tempo, a automatização e coordenação motoras. Em suma, aprender música é um ótimo negócio.

C'est ça. O que temos aqui é uma introdução. No futuro, falarei melhor sobre alguns dos instrumentos citados.

Aprendam música.

Grande abraço,

Rafael Lanzetti

Quem tem coesão tem coerência?

Olá a tod@s,

como está escrito no Evangelho de S. Rafael 13:69, "Bem-aventurados os que têm paciência para ler meus posts, pois eles herdarão inexorável sabedoria."

Já que é assim, estamos aqui para mais um...

O texto de hoje é baseado numa figura, a digitalização da redação de um aluno, provavelmente de 1o grau, de um colégio particular. Obviamente, por razões éticas, não direi o nome do colégio, apenas direi que começa com "Dom" e termina com "Bosco". Leiam, antes de mais nada, a referida redação:


(Se você não conseguir ler o texto por conta do tamanho das letras, salve o arquivo em seu computador e dê zoom utilizando um programa qualquer de edição e visualização de imagens.)

Muito bem, a primeira pergunta é esta: o aluno recebeu a nota que merece?

Para respondê-la, vejamos primeiro o que foi avaliado. A nota atribuída é relacionada, nesse critério de avaliação, a duas categorias linguísticas - 1. Estrutura textual e 2. Adequação comunicacional. A Estrutura textual está ali divida em 3 subcategorias, a saber: coerência, coesão e unidade textual. Por sua vez, a Adequação comunicacional está subdividida em adequações discursiva, de linguagem, sintática e gráfica. A cada categoria são atribuídos 5,0 pontos. O aluno em questão conseguiu 2,7 pontos na primeira categoria (estrutura textual) e 4,0 na segunda (adequação comunicacional).

Antes de avaliar o desempenho do aluno, vamos avaliar o critério de avaliação: é perfeitamente possível compreender o motivo pelo qual as subcategorias "coesão" e "coerência" foram agrupadas na categoria "estrutura textual", uma vez que, juntas, formam a estrutura superficial e profunda de todo e qualquer texto. Para entendermos melhor, consideremos que "coesão" é a estrutura linguística, por meio de expressões coesivas, conhecidas como expressões de ligação (linking words), pronomes dêiticos, anáforas e catáforas, que dá corpo ao texto, que forma o alicerce para, sobre ele, colocarmos o significado. A coesão faz com que seja possível, linguisticamente, que o texto tenha coerência semântica e pragmática. A coerência, por sua vez, é a estrutura semântica, dita profunda, de significado produzido a partir da estrutura coesiva. Tudo bem, agora, o que seria "unidade textual" tal como aparece no esquema de avaliação da redação? OK, vou tentar chutar. Penso que o que o professor quis dizer com "unidade textual" poderia estar incluído em "coesão pragmática" e "coerência discursiva", em outras palavras, se o texto mantém o mesmo registro (formal, neutro ou informal), o mesmo estilo e a mesma coerência vocabular, por exemplo. Será?

No outro extremo, está a categoria "adequação comunicacional". A cada uma das subcategorias o professor atribui 0,2 ponto. A "gramática" do texto é avaliada nas subcategorias "adequação gráfica", "adequação sintática" e "adequação de linguagem", relacionadas, respectivamente, à ortografia (por que será que ortografia, coisa tão banal que pode ser corrigida até por um computador, ainda é tão superestimada no Brasil?), à propriedade das regras sintáticas utilizada e a... hmm, vejamos, "adequação de linguagem"? Seria o quê, exatamente? Será que o professor está se referindo ao uso de registro adequado, digamos, razoavelmente formal, próprio de ensaios acadêmicos (isso para o garoto não ficar usando coisas do tipo "pô, teacher, é chato pa kct fazê esses troço, prefiro tc no msn!")? Mas isso já não foi avaliado em "unidade textual"? Hein? Ainda tem uma subcategoria? É verdade, a "adequação discursiva". Quê? De novo? Eu posso apostar o quanto quiserem que 99% dos alunos avaliados por tal sistema não têm a mínima idéia de a que essas categorias se referem, nem saberiam diferençar coisa d'outra. Como é que eu posso ser avaliado e, aliás, para que serve uma avaliação se eu não entendo como ela é feita? Será mesmo que ortografia deve valer os mesmos 2 décimos que "adequação discursiva", por exemplo?

O que quero dizer com isso tudo é que boa parte dos nossos sistemas de avaliação no Brasil, seja lá do que for, em especial de uma coisa tão abstrata quanto redação (como se avalia, Deus meu, a qualidade de um texto usando números e categorias? A qualidade de um texto é quantificável?), é deficiente, não coerente, auto-contraditória.

Chega, deixe-me falar sobre o desempenho do aluno agora. E, para tanto, vou utilizar as definições de coerência e coesão supradadas. Segundo o professor avaliador, o aluno foi bem no que diz respeito à "adequação do texto", mas foi apenas razoável no que diz respeito à "estrutura do texto". Ora, ora, para o texto ser "adequado", será que não precisaria primeiro possuir estrutura coesa e coerente? Onde é que termina a coerência do texto e começa a sua adequação? Aliás, adequação exatamente a quê?

Se olharmos bem, vamos reparar que, no que diz respeito à coesão do texto, o aluno foi excelente. Você pode procurar que, tirando todas as abobrinhas do interior das sentenças, as margens coesivas estão todas lá, as linking words estão todas lá: "pois", "logo", "assim", "porque", só para citar algumas. Apesar de coeso, no entanto, o texto parece não ter coerência, parece não significar nada. Apenas parece.

Queria terminar o assunto dizendo o seguinte: existem dois tipos de coerência - a externa e a interna. A coerência externa é aquela que dá significado ao texto para qualquer pessoa que o ler. A interna, por sua vez, é própria do autor, ou talvez de um grupo específico de leitores. A Bíblia, por exemplo, não tem o mesmo sentido para cristãos e ateus. Esses dois grupos sociais lêem a Bíblia diferentemente (e absorvem dela diferentes significados) porque, para cada um, a Bíblia possui diferentes sistemas coerenciais, ditados principalmente pelas crenças que compartilham. Quando um aluno, utilizando sua coerência interna, compõe uma redação aparentemente sem nenhum significado, o que se dá, na verdade, é que o significado, que não deixa de existir, não consegue ultrapassar a barreira da língua para ser comunicado (no sentido etimológico de comunicare, tornar comum, público). Se quisermos realmente entender a redação, acharemos nela significado, muito inteligente até, demonstrando uma personalidade relativista e cética, mas, infelizmente, o texto não faz sentido para a maior parte das pessoas porque a língua, o meio, a ferramenta com a qual o texto foi lapidado, não possui propriedade coerencial externa. Esse aluno não precisa aprender a pensar, precisa aprender a usar a língua para expor seus pensamentos.

Uma coisa é ser inteligente, ser criativo, ter idéias. Outra, é saber expô-las em linguagem padrão, socialmente aceitável. Num mundo em que os padrões tomaram conta das ciências, da cultura e, infelizmente, até da arte, quem não consegue se adequar a eles, não terá nunca lugar ao sol.

Temos de mudar o mundo ou a nós mesmos?

Abraço,

Rafael Lanzetti

P.S.: Ah, quanto à pergunta do início do post, o aluno recebeu a nota que merecia? Na minha opinião, menos que merecia sua coesão e sua coerência interna, mais que merecia sua capacidade de adequar os pensamentos à linguagem padrão. Respondido?

Friday, May 11, 2007

Mágica & Psicologia

Olá a tod@s,

muito obrigado por prestigiarem tão humilde blog. Vamos ao trabalho:

O tema de hoje é... mágica e psicologia. Que relação há entre as duas coisas? Bem, antes de dizer qualquer coisa, faça o seguinte: assista a este vídeo no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=voAntzB7EwE

Assistiu? Quantos "color changes" você conseguiu perceber? Seja honesto. Poste um comentário dizendo-me o resultado.

Entonces, o que vimos aqui? A aplicação de um conceito psicológico à mágica - o misdirection. Atenção: antes que meus companheiros mágicos que lêem este blog queiram me enforcar por exposure, deixem-me dizer duas coisas, uma para os leigos em mágica e outra para os mágicos.

Coisa número 1: Exposure, cuja tradução é exposure (mágicos gostam de usar nomes anglófonos, por uma razão que vou descrever um outro dia) é a prática de exposição de técnicas e segredos mágicos ao público leigo, o que pode ser inclusive caracterizado como crime. Crime? Sim, basta pensar que, quando alguém revela um segredo mágico, está desmoralizando e prejudicando, inclusive financeiramente, uma classe de trabalhadores artistas que passam anos de suas vidas estudando e treinando as mais diversas técnicas e abordagens mirabolantes, desenvolvendo prestidigitação, além da capacidade de lidar com um público cada vez mais exigente (não é tão fácil fazer mágica hoje quanto era no tempo dos meus pais. Por que será...?). Quando um rapaz chamado Leonard Montano, mais conhecido como Mister M., resolveu aceitar um convite da rede televisiva Fox para revelar segredos mágicos centenários (com a desculpa idiota de que estava "promovendo a arte mágica". Veja mais em http://bennyhills.fortunecity.com/candy/487/misterm4.htm), o que conseguiu fazer, na verdade, foi desmoralizar centenas, senão milhares de mágicos em todo o mundo, que ganham o seu pão fazendo apresentações em festas infantis, em eventos, grandes ou pequenos. Você pode imaginar a cara com que fica um mágico quando, durante um número, uma criança sai gritando para todo mundo "Ah, essa eu sei, ele faz isso e isso e aquilo outro..."? Pois é, já aconteceu comigo, já aconteceu com a maior parte dos mágicos que conheço. Culpa de gente como o Mister M. Pois bem, o tal sr. Montano foi processado por associações mágicas de Belo Horizonte e do Sul, que ganharam causa, pois os juízes entenderam que aquele programa prejudicava profissionalmente essa tão querida classe de artistas. Nossa vingança é que, hoje, todos se lembram de ao menos uma grande mágica do David Copperfield, por exemplo. Quem é que se lembra de um segredo que o Mister M. revelou? No entanto, atualmente, com as mídias a que temos acesso a qualquer hora do dia e da noite, de modo completamente descontrolado, é muito fácil encontrar segredos mágicos guardados há gerações. Tanto, que muitos mágicos estão deixando de usar aparelhos tão aclamados e que produzem efeitos extraordinários (como o TT, quem é mágico sabe do que estou falando) porque tanta gente já o conhece que seu uso tem se tornado impraticável. E isso é exposure.

Coisa número 2: Companheiros mágicos, não se preocupem se trato aqui do misdirection, pois esse conceito não é, infelizmente, nosso. É um conceito psicológico, ligado aos estudos de atenção e concentração. Foi criado muito antes de ser utilizado em mágica. Ainda, mesmo sabendo o que seja, não precisamos nos preocupar nem um pouco com isso, digo por experiência própria. Se o vídeo do link estivesse no final do post, depois de toda a explicação, mesmo assim - podem crer - ninguém veria nada.

Voltando ao assunto principal - misdirection: como o nome já diz, o referido é uma técnica de fazer com que seu espectador, ou mesmo leitor, volte sua atenção para um outro lugar, enquanto o esperto locutor, escritor, mágico, o que seja, utiliza técnicas para esconder o que não pode ser visto. O misdirection é utilizado na mágica para se fazer com que o espectador, por exemplo, olhe para uma mão do mágico enquanto, com a outra, o artista "faz a mágica acontecer". Mas não se iludam - a variedade de técnicas com que o fazemos é tão grande que, se bem aplicadas, nem o melhor dos observadores vê o que não deveria ser visto, como no caso do vídeo lá em cima.

Isso me faz pensar em duas coisas principais:

1. O ser humano é sugestionável, e muito. Um bom mágico faz a mágica acontecer na cara do espectador, um político eloquente profere os maiores absurdos na cara dos ouvintes, o bom vendedor consegue vender o pior dos produtos - e todos esses profissionais safam-se maravilhosamente. A sugestão, por meio da oratória, da eloquência, dos sofismas e, principalmente, das falácias (também tema de um outro post), é, a meu ver, a grande responsável pelo desenrolar da história humana.

2. O ser humano só consegue prestar atenção a uma coisa de cada vez. Será? O vídeo prova que sim. Mas não será porque, por misdirection, as atenções foram voltadas para onde se queria? Como será, então, que dirigimos? Quando dirigimos um veículo, precisamos, por vezes, olhar para frente e para os lados, quando não também para trás, ao mesmo tempo. Um intérprete simultâneo precisa, de sua cabine, prestar atenção ao que está sendo dito em língua estrangeira pelo palestrante e, simultaneamente, ao que está traduzindo em sua língua materna. Será que conseguimos mesmo fazer tal coisa? E, por último, será que essa falta de capacidade de prestar atenção a múltiplas coisas simultâneas é essencialmente ruim? Você já pensou se fosse capaz de prestar atenção a várias conversas ao mesmo tempo? Seria o paraíso das mulheres. Já pensou se você, menina, fosse capaz de falar com 3, 4 amigas ao mesmo tempo ao telefone - sobre coisas diferentes? Ui.

As perguntas estão aí. Onde estarão as respostas?

Ah, já ia me esquecendo, por falar em mágica, existem muitas modalidades diferentes dessa arte tão nobre: a cartomagia (mágica com baralhos), o mentalismo (a propriedade que têm os mágicos de saber o que os espectadores estão pensando ou antever um acontecimento futuro), o close-up (a mágica feita perto do espectador, com objetos diversos), a mágica de salão/palco (exige que o mágico possua aparelhos maiores, que não podem ser carregados em uma mala de close-up), e as grandes ilusões, como as do David Copperfield e suas levitações e desaparições da Estátua da Liberdade e afins. Para ser mágico, o camarada (por que não "a" camarada? Por que existem tão poucas mágicas mulheres? Mais um tema para tópico futuro) precisa ler muito, assistir a muitos cursos em vídeo, treinar muito e ser leal ao código de ética dos mágicos, basicamente este:

1. Nunca repetir uma mágica na mesma ocasião;
2. Ser ético com outros mágicos;
3. Saber lidar com seu público, mesmo com os chatos...

e

4. Nunca revelar seus segredos. Quem o faz, não é mágico, pode ter certeza disso.

Amigos, moral da história de hoje: CUIDADO COM O MISDIRECTION, não do mágico, pois ele só quer entretê-lo, maravilhá-lo com a saudável fantasia da arte; mas o do político, do vendedor, do presidente, das instituições, da TV, da escola e do seu chefe. Cuidado.

Grande abraço,

Rafael Lanzetti


P.S.: Para quem não acredita que sou mágico, está aí a prova do crime - eu, com o poder da mente, levitando uma bolinha de papel:




Thursday, May 10, 2007

Polipoiésis?! Isso morde?

Caríssimos leitores de tão humilde blog,

é de se esperar que um nome deveras estapafúrdio tenha alguma explicação que seja. Não o criei, verdade, mas antes os helênicos, criadores do pensar ocidental. Vamos à explanação semantico-etimológica:

"poli" em grego é um prefixo que quer dizer "muitos", como em "polígono", muitos lados, e "poliondas", muitas ondas (aquela pastinha onde se guarda papel inútil porque já é muito fora de moda para se usar na rua). Favor não confundir com "pólis", cidade; como em "política", a organização da cidade, e "soteropolitano", cidadão da cidade de Salvador ("soterós" em grego).

Logicamente estou falando aqui do grego clássico, o grego em que foram compostas as épicas Ilíada e Odisséia (lição número hum - nunca grafe títulos de obras entre aspas, prefira sempre o itálico), ambas por autores desconhecidos. Desconhecidos? Ué, mas o prof. Epaminondas da Faculdade de Letras da Universidade Federal da Praça Mauá havia me dito, no meu tempo de literatura grega, que tais obras foram escritas por Homero!

Já vamos nós fugir do assunto... Bem, Homero, do grego "Ho me ros", traduzindo, "o que não enxerga", pois sua figura mitológica era de um velho cego, pode nunca ter existido. Era um mito, certamente. Para que entenda essa minha proposição, "era um mito", você precisa entender o que é um "mito", mas isso eu deixo para um outro dia. Sendo mitológico, embora original, Homero pode ter sido, mera e simplesmente, a personificação do folclore grego na era clássica. Falando nisso, o que é folclore? Será que Tróia e a Guerra Helênica ocorreram de facto? Estas duas últimas eu também vou deixar para um outro dia, o que não passa de um recurso novelístico para arregimentar leitores sistemáticos. Voltando ao tema deste parágrafo: os bardos, cantadores clássicos e medievais, com seus instrumentos (liras e flautas na era clássica; e principalmente alaúdes na medieval), repetiam ad nauseam a lírica que fazia o gosto do freguês. Pois bem, à época de Homero, se é que existiu, centenas, senão milhares de bardos cantarolantes perambulavam pelos burgos e reinos helênicos, em Creta, no Peloponeso, nas Ilhas, para, em troca de comida e/ou mulheres, bebida e fama, entreter os palacianos com suas mirabulantes estórias.

Assim, pois, a Ilíada e a Odisséia, que tratam, respectivamente, dos acontecimentos políticos e militares peri-guerra de Tróia, introduzindo seus heróis aqueus; e da penosa volta de Ulisses a Ítaca, sua ilha-natal, descobrindo finalmente que sua mulher não tinha dado pra ninguém enquanto guerreava (por isso é um mito, capisci?) [continuando o período que tem como sujeito composto "A Ilíada e a Odisséia"] tornaram-se as estórias mais interessantes e louvadas da Grécia Clássica.

Agora, voltando a um assunto anterior: por que cargas d'água você, ó blogueiro, afirmou que Homero pode não ter existido (atenção para o pode, may, mag)? Veja bem, meu leitor, existem algumas evidências de que Homero ou era mesmo cego e tapado, desleixado e desorganizado ou não existiu mesmo: em alguns Cantos (os poemas, de até 15 mil versos, vejam só; e todos eram recitados de cor pelos bardos [que mnemotécnica!] eram divididos em Cantos, não em capítulos) retratam, por exemplo, a composição metálica do escudo do herói Aquiles - ferro, bronze, ouro etc. em uma determinada ordem. Já num outro Canto, a ordem da composição era completamente trocada. Homero não anotava as informações de que precisaria se lembrar mais à frente no texto? Era desleixado? Ou simplesmente não existiu? Se Homero não existiu mesmo, os bardos, logicamente, não poderiam decorar tudo aquilo... Como se diz, "quem conta um conto, aumenta um ponto". Assim, a cada vez que a estória era contada, alguma coisa era alterada, mudada, adaptada. Imaginem vocês centenas de bardos, em partes diferentes do mundo helênico, declamando os versos com alterações pessoais. No final, o que se tinha do original? E, falando nisso, que original? Quem compôs? Homero escreveu o que compôs? Homero existiu de se pegar?

Ainda, quando o poema foi escrito, logo que a Grécia já dispunha de uma língua escrita, a versão que se retratou em papiro foi qual? Não há originalidade aqui, há um palimpsesto. Um o quê? Calma, ainda vou escrever sobre isso também...

Uff, até agora já falei sobre metade do título do Blog, a metade do "poli". Vamos ao "poiésis", preparem-se para mais 30.000 palavras...

O verbo "poiein" em grego quer dizer simplesmente "fazer". Era usado para retratar o trabalho dos artesãos, dos oleiros ("poetés"). Fazer um vaso era como compor um poema. Isso mesmo, para o grego, o poeta era um artesão, seu trabalho, a partir do esforço, e não da inspiração divina, tinha como produto um poema. O poeta era mais um "demioúrgos", palavra que englobava, numa única categoria, carpinteiros, médicos, músicos, artesãos e... poetas. Fazer, então, para o grego, significava transformar a natureza tangível e intangível a fim de tornar disponíveis materiais, produtos, serviços e arte.

Este blog, assim, chama-se Polipoiésis por um único motivo: nele, falarei sobre minhas atividades, as coisas de que gosto, tanto pragmáticas quanto poéticas.

Sou professor, ensino linguística, tradutologia, música. Sou estudioso de línguas estrangeiras, latinas, germânicas, grega e semíticas. Sou músico, toco piano, saxofone, flauta doce, escaleta. Sou mágico, faço close-up e mágicas de palco. Sou modelista, aero, auto, nauti e ferreo. Aprecio boa literatura e boa música.

O Polipoiésis tratará certamente de todos esses assuntos supracitados, um por vez, para não encher o saco do leitor.

Por hoje é só, se você aguentou ler até aqui, minhas sinceras congratulações.

Até a próxima,

Lanzetti