Textos sobre tecnologia, linguística, tradução, filosofia, mágica, línguas estrangeiras, modelismo, música.
Thursday, June 28, 2007
Ó Xenti, mininu!
O termo vem do grego diá (através) + leto (part. pass. do verbo legein, lego, que, dentre outras coisas, quer dizer "dizer").
Existem 3 categorias primárias de dialetos: os diaétnicos, os diastráticos e os diatópicos.
1. Dialeto diaétnico (do grego diá + ethnós, "etnia, raça") - São dialetos que variam de acordo com uma etnia. No Brasil, não há dialetos diaétnicos populacionalmente relevantes, mas os EUA têm um número impressionante de falantes de dialetos raciais, como o Ebbonics (o nome é derivado de ebony, marfim). Esse dialeto, falado pelos negros americanos de áreas urbanas e rurais (que, por sua vez, possui uma infinidade de variações locais), tem um sistema fonético e gramatical próprio, além de centenas de itens lexicais que só podem ser entendidos pelos seus falantes. Um falante de Ebbonics de Nova York, por exemplo, não pronuncia a fricativa interdental sonora [ð] como em this ou that, mas sim a oclusiva alveolar sonora [d]. Para eles, o primeiro som de that é o mesmo primeiro som de dog. Ainda, a maior parte dos verbos possui flexão diferente da do inglês padrão. Uma típica flexão verbal no Ebbonics é assim:
I goes
you go
he/she/it go
we go
you go
they go
Formas já bastante conhecidas (mas ainda não aceitas no inglês padrão), como o ain't, têm sua origem no Ebbonics. Mas, não se iluda, o Ebbonics de Nova Iorque é completamente diferente do Ebbonics do Arkansas, que, por sua vez, é diferente do Ebbonics da Geórgia, e assim por diante. Até mesmo entre os burrows (bairros) de NY, é possível encontrar algumas diferenças marcantes. Em princípio, o Ebbonics é quase ininteligível para falantes de inglês padrão.
2. Dialeto diastrático (do grego diá + stratos, camada, no caso, camada social) - Essa variação linguística tem a ver com a classe social a que o falante pertence. Essa sim existe (e de forma bem marcada) no Brasil. No Rio de Janeiro, por exemplo, é possível encontrar diferenças sintáticas, semânticas, lexicais e mesmo fonéticas entre os moradores da Zona Sul e da Zona Norte, ou entre os moradores do "asfalto" e das favelas.
3. Dialeto diatópico (do grego diá + tópos, lugar) - Variação linguística de acordo com a região geográfica dos falantes. Obviamente, por razões de exclusão social, os pobres habitam regiões separadas das dos ricos, portanto todo dialeto diastrático (e, muitas vezes, também o diaétnico) seria um dialeto diatópico. No entanto, o que diferencia este daquele é que, no dialeto diatópico, a variação linguística não depende exclusivamente da classe social a que o falante pertence, mas da região onde vive, seja lá a que classe pertencer. Existem muitíssimos dialetos diatópicos no Brasil, do Oiapoque ao Chuí. Aqui estão alguns links para "dicionários regionais". Alguns são mais engraçados que úteis; outros, mais úteis que engraçados:
Paulistanês: http://desciclo.pedia.ws/wiki/Paulistanês
Gauchês: http://www.galpaovirtual.com.br/dicionario.php
Carioquês: http://www.geocities.com/carraroabcc/diciore.htm
http://gockinrio.blogspot.com/2006/07/dicionrio-carioqus.html
http://www.mail-archive.com/piadas@news.com.br/msg00837.html
http://www.hiro.com.br/download/textos/dic_carioca.txt
Nordestinês: http://paginas.terra.com.br/lazer/flavioalencar/culturaediversao/cultura_popular/literatura_dicne.htm
Pernambuquês: http://cabana.t35.com/Turismo/Pernambuco/dicionar.htm
Existe, no entanto, uma diferença fundamental entre os dialetos brasileiros e os europeus: os dialetos brasileiros possuem, de maneira geral, níveis de intercompreensão muito maior que os dialetos europeus. Um alemão de Munique provavelmente teria muito mais dificuldade para entender um nativo de Hamburgo que um nordestino para entender um gaúcho. Os dialetos italianos (existem mais de 40) são quase ininteligíveis para quem mora a 100 Km ou mais de distância de seu centro linguístico. A Suíça, um país do tamanho do Estado do Rio de Janeiro, possui tantos dialetos quanto Cantões (26) e, no Brasil, todo mundo se entende (até certo ponto). Bom, seria isso um mito? Em parte. Regiões muito isoladas, principalmente em áreas rurais, podem desenvolver dialetos ininteligíveis para a maior parte dos brasileiros, mas é verdade dizer que a maior parte dos dialetos diatópicos são de relativamente fácil compreensão para a maior parte dos brasileiros. Por quê? Como pode ser isso? O Brasil é um milagre linguístico?
A resposta dessa pergunta é bem mais complicada que o que vou escrever aqui, mas prometo voltar ao assunto no futuro. A culpa dessa relativa unidade linguística é de um camarada chamado Marquês do Pombal. Pois é, depois do terremoto devastador em Lisboa, em 1755, e depois de ter reconstruído a cidade completamente (isso eu tenho que reconhecer. Dizem que, no dia seguinte ao terremoto, o Marquês já tinha traçado um plano completo de reconstrução da cidade. Os lisboetas o admiram muito, há uma estátua enorme desse camarada no final de uma das principais avenidas de Lisboa), o Marquês veio para o Brasil juntamente com a comitiva de D. João VI. Ah, falando nisso, por que cargas d'água D. João VI veio para o Brasil? Esqueçam tudo o que os livros de História lhes disseram na escola. D. João VI, aquele gordo glutão e sua esposa maluca, vieram pra cá porque se borravam de medo de Napoleão, só isso.
Voltanto ao assunto, Marquês de Pombal tomou, aqui no Brasil, medidas dramáticas em relação à nossa realidade linguística. Em primeiro lugar, expulsou do território colonial os Jesuítas, que haviam feito um trabalho excelente de construção e implantação de escolas, compilação de dicionários e gramáticas de línguas indígenas, dentre outras coisas. Só que essa benfeitoria tinha seu preço, obviamente - as almas e a aculturação dos pobres índios... Outra coisa que Pombal fez foi proibir terminantemente o uso de Nhangatú. Nhan... o quê? Nhangatú era uma língua geral, uma mistura de português europeu com tupi, falada pela maior parte dos nativos, os filhos dos portugueses nascidos no Brasil no século XVIII. O português foi imposto e os defensores do Nhangatú, dizimados. Isso é bom? Certamente não. Em primeiro lugar, porque uma das formas de repressão mais psicologicamente violentas é proibir alguém de falar sua língua materna. A meu ver, não existe proibição mais séria e profunda que essa. Muitos foram mortos, de verdade. Na Nigéria, na década de 80, houve inclusive uma guerra civil por questões linguísticas (e, consequentemente, de poder). Em segundo lugar, como se diz em biologia, "quanto maior a variedade de genes de uma espécie, mais forte ela será". Na linguística, uma língua é tanto mais rica quanto mais variadas forem suas influências, seu tesouro lexical e sua diversidade de origens. Hoje poderíamos ser bilíngues, falantes de nhangatú e português, assim como os bolivianos falam guarani e castelhano. Isso seria bom para nós, teríamos muito mais cultura acumulada, conhecimento de inter-relações linguísticas, raciocínio abstrato, literaturas mais diversificadas, dentre muitas outras coisas. Aliás, aqui no Rio de Janeiro, poderíamos falar francês; no Nordeste, holandês; no Sul, alemão, italiano e castelhano. Por causa da imposição psico-social de Marquês de Pombal, falamos apenas essa "língua miserável", como dizia Monteiro Lobato. Calma! Não me entendam mal, não tenho absolutamente nada contra a língua portuguesa, muito pelo contrário (e, diga-se de passagem, Monteiro Lobato também não, um dia contextualizo essa afirmação dele). Tenho contra o brasileiro ser um povo monolíngue, como o americano. O poliglotismo é uma das habilidades humanas que mais traz benefícios intelectuais. Os maiores poliglotas do mundo são os africanos, que falam, em média, 4 línguas! Pena que as línguas que eles falam não têm status político, diferente dos escandinavos, que falam 3 línguas de status político elevado.
Agora, vamos a uma outra dicotomia importante: dialeto político vs. dialeto linguístico. Se formos considerar apenas o ponto de vista linguístico de inteligibilidade de sistemas gramaticas, pragmáticos e fonéticos, poderíamos afirmar que o português do Brasil e o espanhol do Paraguai, por exemplo, são dialetos linguísticos de uma mesma língua, o galego-português-castelhano. Quem mora nos países escandinavos desfruta da mesma proximidade. Se um sueco, um dinamarquês e um norueguês conversarem entre si, cada um falando sua própria língua, poderão travar conversas quase normalmente, embora o dinamarquês seja, em aspectos fonéticos, um pouco mais afastado das outras duas línguas.
Do ponto de vista político, no entanto, as línguas se diferenciam por conta do desejo do destaque nacional. Cada país quer ter a sua própria língua (e quando uma outra é imposta, como no caso dos colonizadores europeus, a população colonizada sempre se revoltará). Visto sob esse prisma, o português e o espanhol do Paraguai são línguas diferentes, e não dialetos, pois pertencem a países hegemônicos (haha) diferentes.
Finalmente, por que as línguas se diferenciam e formam dialetos? Essa resposta é bem simples, embora o processo seja bem complicado: as línguas humanas são vivas, e mudam porque os humanos que as falam também mudam, alteram a realidade que lhes foi apresentada. Quando o homem cria algo novo, precisa criar também um rótulo linguístico para a sua novidade. Quando, por razões naturais ou artificiais, desloca-se no espaço, mudando de habitação, encontra uma outra realidade que requer outros rótulos para descrevê-la. Temos frutas na Amazônia que só existem na Amazônia, os esquimós do Canadá vêem diferenças na neve que só eles vêem (e por isso têm 7 palavras distintas para tipos de neve diferentes), os gregos inventaram rótulos para todas as teorias filosóficas criadas por eles. A língua muda porque o homem muda.
Porém, existe uma outra razão, que chamo de artificial, para o surgimento de um dialeto - o desejo declarado de destacar um determinado grupo social. Quando o negro americano começa a falar diferente, provavelmente é porque ele não quer que o branco o entenda, o que dá status a seu grupo e o protege linguisticamente. Os médicos "falam difícil" entre si (e às vezes até com os pacientes) para que seu status de detentores do conhecimento da vida e da morte seja preservado. Os professores de português adoram arrotar os nomes estapafúrdios das figuras de linguagem porque só eles as conhecem, e por aí vai. O dialeto também se forma porque o homem quer deixar claro que "é o bom".
É isso. Não percam os próximos capítulos. Obrigado por lerem até aqui.
Grande abraço,
Lanzetti
Friday, June 15, 2007
Sílvio Santos vem aí! La lá, la la la lá...
Faz quase 20 anos. Estou ficando mesmo velho, lembro-me perfeitamente dessa propaganda e da campanha patética desse camarada.
"Você sabe o que é justiça social? Eu também não sabia". E não precisa dizer mais nada.
Aliás, quem seria o vice? O Roque?
Um abraço e divirtam-se,
Lanzetti
Thursday, June 14, 2007
O tempo passa, o tempo voa...
As primeiras tentativas foram feitas pelos pre-socráticos, tanto de entender quanto de medir o tempo. A civilização egípcia em Karnak, no entanto, já havia, por volta do ano 800 a.E.C., inventado a clepsidra, um enorme medidor do tempo com tubos por onde a água ia escoando e enchendo recipientes que representavam as partes do dia e da noite. O nome, porém, é grego, e a clepsidra que hoje conhecemos é oriunda daquela encontrada em Atenas e que, provavelmente, foi construída por volta do ano 500 a.E.C. Só para vocês terem uma idéia, aí vai uma foto de uma clepsidra moderna:
Mas quero chamar sua atenção para uma coisa interessante. O nome clepsidra quer dizer clepto (roubar, como em cleptomaníaco) + hidra (água). Já naquela época, os gregos possuíam esse conceito de que o tempo rouba-nos algo, a cada gota d'água que o tempo nos toma através da clepsidra, menos tempo de vida temos. Em outras palavras, estamos morrendo desde o momento em que nascemos.
Heráclito de Éfeso, o primeiro pre-socrático relativista, afirmava que "tudo flui", que "é impossível banhar-se duas vezes no mesmo rio". Ele já entendia que aquilo que nos é roubado pelo tempo, não volta mais; e, assim, estamos em constante (in/e)volução. O mundo é um sistema dinâmico, os átomos de Leucipo de Demócrito estão em constante movimento. Se leio um livro hoje que já li na infância, leio um livro diferente, porque eu sou uma pessoa diferente. E, a cada letra que digito deste texto, sou diferente. A cada piscada d'olho, não sou mais eu uma piscadela atrás.
Os romanos cicerianos, os estóicos e, principalmente, os epicuristas, tinham o motto diáfano do "Memento Mori", "aproveita a vida enquanto a tens". É o ideal do carpe diem, tão divulgado pela juventude de 1960 em todos os movimentos anarquistas (no bom sentido) daquela geração. A máxima tempus fugit, o tempo voa, título deste post, é do romano Virgílio, o da Eneida. Ovídio, outro gênio romano, afirmou, certa vez: "tempus edax rerum", "o tempo é o devorador de todas as coisas".
O ser humano sabe que, perdendo tempo, precisa aproveitá-lo, para que, à última gota da clepsidra, possa deixar de existir com a sensação do dever cumprido, como o apóstolo Paulo: "Combati o bom combate, encerrei a carreira, guardei a fé".
O fato é que, durante toda a antiguidade clássica, o tempo sempre foi um conceito pejorativo. O passar do tempo, para um humano que vivia, em média, 50 anos, em condições inóspitas e morria de doenças terríveis, era obviamente mal-vindo. O tempo envelhece, e a velhice, para o ocidental, era uma maldição dos deuses, como Shakespeare a descreve em As you like it: "sans teeth, sans eyes, sans taste, sans everything". Entenda-se "sans" aí como em francês, "sem", "without".
No entanto, a psique do oriental não era bem assim. Quando me deparo com escritos sobre o tempo na cultura clássica oriental (estou falando aqui obviamente do Oriente Médio, as culturas semitas [árabes e judeus], já que sequer considero o oriente distante, as culturas uralo-altaicas), estes parecem-me bem mais fatalistas e estóicos que seus equivalentes ocidentais. Vejam o que diz a Bíblia em Eclesiastes, a sabedoria de Jesus de Sirach:
Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo e edificar; Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz.
Essa visão, bem mais estóica, como é a religião cristã, parece condizer com o tom das rubai de Omar Kaiam, sábio persa (portanto, indo-europeu) do século XII:
Ah, make the most of what we yet may spend
before we too into the dust descend;
dust into dust, and under dust, to lie,
sans wine, sans song, sans singer and – sans end!
Vemos aqui um primeiro momento otimista e epicurista e, em seguida, o pessimismo fatalista judaico. Aliás, veja a belíssima tradução de Haroldo de Campos para o poema:
Ah, vem, vivamos mais que a Vida, vem,
Antes que em pó nos deponham também,
Pó sobre pó, e sob o pó, pousados,
Sem Cor, sem Sol, sem Som, sem Sonho – sem!
A grosso modo, os orientais sabem que não tem jeito - então, como disse a Excelentíssima Ministra Marta Suplicy, eles "relaxam e gozam". Os ocidentais, mais revoltados, preferem xingar o tempo, ou então chutar o balde e fazer o que der na telha enquanto ele não acaba.
É preciso também notar que a passagem de tempo no oriente não é recebida culturamente da mesma maneira que no mundo ocidental. No oriente, existe o tempo do divino (cf.: "Por que mil anos para Deus são como um dia para os homens") e o mortal. A vida deles é orientada pelo tempo divino, mas se passa em tempo mortal. Ainda, tudo o que se refere à passagem de tempo (e a números, de maneira geral) na Bíblia, deve ser interpretado com muita cautela, pois os hebreus antigos tinham conceitos de tempo muito diferentes dos nossos, como o yom, mas isso é conversa para um texto futuro.
Voltanto ao Ocidente, com a oficialização da Igreja Cristã em 324 E.C., deu-se início à padronização do credo e da filosofia cristã, que se deve, em boa parte, à figura de Santo Agostinho de Hipona (e, é claro, a Tomás de Aquino). Agostinho, em suas Confissões, afirma: "Se ninguém me perguntar [o que é tempo], eu sei; se perguntar e eu tentar explicar, não sei." Assim, o filósofo-missionário dá início à concepção perceptiva do tempo - é o que se sente, mas não se pode explicar. O tempo existe de fato, já que sentimos seus efeitos, mas o que ele é?
O ser humano teme o inexplicável.
Observe a revolta shakespeareana:
"I wasted time, and now doth time waste me." (Richard II)
"To-morrow, and to-morrow and to-morrow, creeps in this petty pace from day to day, to the last minute of recorded time; and all our yesterdays have lighted fools, the way to dusty death." (Macbeth)
"What seest thou else in the dark backward and abysm of time?" (The Tempest)
John Milton dedicou um poema ao tempo, On time (que se pode degustar aqui). Observe os dois primeiros versos: "Fly envious Time, till thou run out thy race, Call on the lazy leaden-stepping hours".
James Bramston, satirista inglês do século XVIII: "What's not destroyed by Time's devouring hand?"
Lord Chesterfield, conde inglês do século XVII, em uma carta ao filho: "I recommend to you to take care of minutes: for hours will take care of themselves."
Hegel, já no século XIX, introduziu duas questões essenciais na filosofia moderna: a ciclicidade do tempo, através de sua dialética; e o conceito de Zeitgeist.
A dialética de Hegel propõe que tudo o que existe está em mudança, a junção de opostos forma a realidade (como Heráclito). Tudo existe até se transformar em algo novo. Para tudo há uma tese, cujo elemento conflitante é a antítese, e a mescla dos dois forma uma terceira definição, a síntese. Esta síntese, como possui em si uma tese, criará uma nova tríade de tese, antítese e síntese e assim, ad infinitum. É por isso que idéias, religiões, artes, ciências, economia, instituições estão em constante mudança dialética.
Ainda, Hegel afirma que todos nós estamos sujeitos ao tempo histórico (e esse é realmente um elemento novo na filosofia). Nem mesmo grandes gênios poderiam ter feito suas obras fora de seu tempo. Se, no século XXI, algum compositor fizesse uma obra parecida com a de Beethoven, seria apenas uma mímese, mesmo que fosse muito talentoso. Não podemos fugir ao tempo, ao Zeitgeist (Zeit = tempo, Geist = espírito, o Zeitgeist é o "espírito do tempo").
Um pouco mais tarde, os fenomenologistas, notadamente Heidegger, abordaram mais uma vez a questão. Na obra-prima Sein und Zeit (Ser e Tempo), Heidegger começa a desfiar o ser, a ex-sistência humana. Na 2a parte do livro, que trataria sobre o Tempo (a última gota da clepsidra caiu antes que Heidegger a pudesse ter escrito), Heidegger provavelmente teria chegado à conclusão de que Ser é Tempo. Se somos, somos no-tempo, o que somos agora, a nossa existência neste exato momento, é temporal, portanto, fenomenológica. Sem mais detalhes sobre isso (para não encher o saco de ninguém).
Uma das alusões mais geniais que já vi ao tempo e seus efeitos, está num conto de horror de Edgar Allan Poe, The mask of the red death (disponível aqui em inglês, ou aqui em português [como sempre, não se sabe quem fez a tradução. Sobre sua qualidade não vou dizer nada agora, uma vez que vou analisá-la aqui num futuro próximo]). No meio do conto, a figura de um relógio de pêndulo. Quanto o relógio do salão toca, o baile do Príncipe Próspero pára. A música pára, a dança pára, a alegria cessa e, por um momento, todos aterrorizados, de hora em hora, ouvem o badalar do pêndulo anunciando um novo ciclo de passagem do tempo. Quer um retrato da vida melhor que esse? Vivemos a vida em relativa alegria, num baile com música, diversão e gargalhadas. De vez em quando, porém, acabamos por pensar no tempo que passa (e que um dia terminará para nós), e nos advém o "desespero temporal". Mas logo o esquecemos e voltamos a dançar... até a próxima badalada.
Aliás, a representação pragmatizada do sr. Tempo, o relógio, acabou por carregar consigo o karma pejorativo de seu mestre. Em todo o mundo ocidental, os homens estão presos ao relógio - e o detestam. Quando morrem, como se se libertassem dos grilhões do tempo, era comum parar os relógios da casa do defunto exatamente à hora mortis.
Pois é, moral da história: no mundo ocidental, ninguém gosta do tempo, tadinho. Por que será? Do que temos medo? Da morte? Observem esse diálogo entre Hélio Pelegrino e o gênio Nelson Rodrigues:
(Hélio): - É, Nelson, o homem é triste porque morre.
(Nelson): - Não, Hélio, o homem é triste porque vive.
Para entendermos isso, precisamos entender o que é a morte e o que é a vida. Quando Pelegrino fala da morte, comete uma contradição teórica. A morte é a não-existência, portanto, não pode falar sobre o que ela é, apenas sobre o que ela não é. A morte é a não-vida. Já que não se pode falar da morte, só é possível falar da vida. E o que é a vida? A vida é lugar desde o qual a vida apresenta as possibilidades para a construção de uma singularidade, ela é o local desde o qual o homem se faz. Assim, só é possível ser feliz ou triste por conta da vida, e nunca da morte. A morte, assim, torna-se vazia para que se encha a vida.
Logo, se não é preciso temer algo que representa a não-existência, o confronto torna-se vazio. Tem razão a Dona Marta, relaxar e gozar é o que podemos fazer, aprender com o tempo, usá-lo a nosso favor, e nunca contra. E, em todas as circunstâncias, carpe diem, aproveitá-lo enquanto o temos.
Veja que interessante a passagem do tempo, se vista muito mais rapidamente que o normal: fotos de uma família tiradas por 30 anos consecutivos mostram o que o tempo nos faz - La flecha del tiempo
Por fim, um presente. Aprenda com este homem que sabe, infinitamente melhor do que eu, explicar a inexpressividade do tempo frente a um conceito muito mais poderoso:
O tempo passa? Não passa
Carlos Drummond de Andrade.
O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro perdura a graça
do amor, florindo em canção.
O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.
Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.
O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.
São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda hora.
E o nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade.
Um abraço e até a próxima gota da clepsidra,
Lanzetti
Monday, June 11, 2007
O fim dos seus problemas com a língua portuguesa!
você gostaria de escrever como sua filha de 15 anos escreve no fotolog? Tem ânsia por entender o que seus alunos adolescentes conversam? Queria muito poder escrever fluentemente um diálogo no MSN?
Seus problemas acabaram!
Apresento aqui o super-ultra-mega-revolucionário-out-of-this-world Miguxeitor Tabajara!
http://aurelio.net/web/miguxeitor.html
Um dicionário trilegal, quer dizer, maneiro, digo, sinistro, ou melhor, muito foda que traduz, instantaneamente, qualquer texto escrito em português padrão para o miguxês, a língua dos adolescentes pós-modernos.
E mais! Acessando agora o site do Miguxeitor Tabajara, você ainda leva acesso 3 dialetos de grátis! O "miguxês arcaico", o dialeto do obsoleto ICQ; o "miguxês moderno", o dialeto do MSN; e o super-incrível "Neo-miguxês", dialeto dos fotologs e do Orkut!
Aproveite agora essa super promoção das...
Organizações Tabajara!
Um abraço e postem aí o que acharam,
Lanzetti
Tuesday, June 5, 2007
Exercício de tradução - Tradução de provérbios
Antes disso, um pouco de teoria. Os ditos sentenciosos são de 5 tipos: provérbios, máximas, sentenças, aforismos e ditados. Vamos ver um por um.
1. Provérbios: é uma sentença antiga, metafórica de exprimir verdades de conteúdo moral ou prático. Tem veiculação popular. Exs.: Não se pode assobiar e chupar cana ao mesmo tempo (constatação banal); Não ponha o carro na frente dos bois (um conselho); Diz-me com quem andas e te direi quem és (constatação moral);
2. Máxima: é o "provérbio dos sábios", uma proposição que expressa, de maneira nobre, uma advertência moral ou uma regra de conduta. Ex.: Faze o bem, não olhes a quem (máxima bíblica);
3. Sentença: uma curta proposição moral, mais abstrata, resultante da maneira pessoal de ver. Exs.: Quem semeia vento colhe tempestade (sentença bíblica, sua interpretação não é imediata, é preciso pensar um pouquinho); Quem diz o que quer ouve o que não quer;
4. Aforismo: um dito sentencioso procendente do campo das ciências e das artes. Ex.: A ignorância da Lei não escusa ninguém (aforismo jurídico);
5. Ditado: é o "provérbio da plebe", informal e espontâneo, dotado por vezes de sabor regional. Exs.: Rapadura é doce, mas não é mole não; A mulher ri quando pode e chora quando quer; Quem tem teto de vidro não joga pedra no teto dos outros.
Os provérbios existem há milhares de anos, e talvez sejam tão antigos quanto a civilização humana. Aristóteles, ao analisar alguns, viu neles um vestígio de civilização pré-Dilúvio. Em Roma, Sêneca, o estoico, também se ocupava de analisar provérbios.
Durante a Idade Média (a partir do século V), retomou-se o estudo de sentenças clássicas, traduzindo-as ao latim e, em seguida, às línguas vernáculas. Assim, podemos dizer que os provérbios que hoje conhecemos têm origens greco-latinas e, muito provavelmente, a maior parte deles tem equivalentes em todas as línguas ocidentais, visto que todos eles têm a mesma origem.
Dois exemplos:
Português: Casa de ferreiro, espeto de pau.
Latim: Copia nauseam parit (a abundância provoca o tédio).
Espanhol: En casa del herrero, cuchillo de palo.
Francês: Les cordonniers sont toujours les plus mal chaussés.
Italiano: In casa del calzolaio non si hanno scarpe.
Inglês: Cobblers' children never wear shoes.
Alemão: Der Schuster hat die schechtesten Schuhe.
Português: O que os olhos não vêem, o coração não sente.
Latim: Quod non videt oculus, cor non dolet.
Espanhol: Ojos que no ven, corazón que no siente.
Francês: Ce que les yeux ne voient pas, ne fait pas mal au coeur.
Italiano: Se occhio non mira, cuor non sospira.
Inglês: Long absent, soon forgotten.
Alemão: Was das Auge nicht sieht, beschwert das Herz nicht.
A maior obra escrita sobre provérbios, uma imensa compilação deles, é a Adagiorum Collectanea do humanista holandês Erasmus van Rotterdam, sobre o qual falarei um dia quando escrever sobre a tradução da Bíblia.
Chega de teoria! Quero ver quem consegue arrumar equivalentes para os provérbios aqui embaixo. Ah, já ia me esquecendo: há três maneiras de se traduzir provérbios:
1. Literalmente: Time is money > Tempo é dinheiro.
2. Adaptação sintática/morfológica/semiótica: Every man for himself, and God for us all > Cada um por si e Deus por todos. / A bird in the hand is worth two in the bush > Mais vale um pássaro na mão que dois voando.
3. Equivalência semântica (provérbio diferente, mas de mesmo sentido): A burnt child dreads the fire > Gato escaldado tem medo de água fria.
Agora sim, have fun.
1. The last will be the first.
2. Opportunity makes thieves.
3. Still waters run deep.
4. Mind your own business.
5. The early bird catches the worm.
6. The grass is always greener on the other side of the fence.
7. Looks can be deceiving.
8. You can't tell a book by its cover.
9. Birds of a feather flock together.
10. Out of the frying pan and into the fire.
11. A bird in the hand is worth two in the bush.
12. Not all that glitters is gold.
13. Life is not a bed of roses.
14. It's a double-edged sword.
15. Among the blind a one-eyed man is king.
16. The last drop makes the cup run over.
17. Kill two birds with one stone.
18. No use crying over spilt milk.
19. Best to bend while it is a twig.
20. All work and no play makes Jack a dull boy.
21. It takes two to tango.
22. Don't wash your dirty linen in public.
23. Absence makes the heart grow fonder.
24. Out of sight, out of mind.
25. Silence implies consent.
26. No one is a prophet in his own country.
27. It s too good to be true.
28. Lies have short legs.
29. Better safe than sorry.
30. A burnt child dreads the fire.
31. Seeing is believing.
32. A picture is worth a thousand words
33. Better late than never.
34.When in Rome, do like the Romans.
35. Beauty is in the eye of the beholder.
36. Love is blind.
37. Good things come to those who wait.
38. While there's life, there's hope.
39. Better than nothing.
40. You scratch my back and I'll scratch yours.
41. It is in giving that we receive.
42. Don't look a gift horse in the mouth.
43. A chain is only as strong as its weakest link.
44. Don't put all your eggs in one basket.
45. Don't count your chickens before they've hatched.
46. A stitch in time saves nine.
47. The squeaky wheel gets the grease.
48. All cats are gray in the dark.
49. A blessing in disguise.
50. Two's company three's a crowd.
51. Practice what you preach.
52. He who treads softly goes far.
53. Haste makes waste.
54. Justice delays, but it does not fail.
55. Tomorrow's a new day.
56. When the cat's away, the mice will play.
57. One thing at a time.
58. All good things must come to an end.
59. He who laughs last, laughs best.
60. One man's happiness is another man's sadness.
61. Every dog has his day.
62. Time is money.
63. Money talks.
64. Every man has a price.
65. Business before pleasure.
66. Business is business.
67. Make do with what you have.
68. A drowning man will clutch at a straw.
69. Make a mountain out of a mole hill.
70. Barking dogs seldom bite.His bark is worse that his bite.
71. Better alone than in bad company.
72. The remedy is worse than the disease.
73. Born with a silver spoon in your mouth.
74. Better to ask the way than go astray.
75. You reap what you sow.
76. A hard nut to crack.
77. Choose the lesser of two evils.
78. Practice makes perfect.
79. Good things come in small packages.
80. The road to hell is paved with good intentions.
Se pintar alguma dúvida, é só postar um comentário.
Abraço e até a próxima,
Lanzetti
Quer cortar o cabelo num barbeiro virtual?
depois da hibernação invernal, cá estou de volta com minhas postagens. A de agora é apenas pra relaxar - uma ida a um barbeiro virtual -
http://david-heron.me.uk/blog/2007/04/08/virtual-barbershop
A tecnologia que se usa para isso é o som holofônico com gravação binaural. Assim como o holograma nos dá a impressão de que estamos vendo figuras em 3d, o holofone nos dá a impressão que estamos ouvindo sons em 3d. A técnica utilizada foi a gravação binaural - um microfone de cada lado de uma estrutura que imita uma cabeça humana. Assim, se você ouvir essa gravação com fones de ouvido (só funciona com fones de ouvido e, de preferência, em volume médio a alto), vai ter a impressão, principalmente se fechar os olhos, de que está naquele ambiente de gravação e de que o barbeiro está realmente mexendo no seu cabelo!
Postem aí as impressões que tiveram.
Um abraço a tod@s e até a próxima,
Lanzetti