Como prometido, vou falar sobre os três principais contra-argumentos teístas a respeito da "Grande Pesquisa da Oração".
1. Deus não se submete a pesquisas com objetivos mesquinhos.
Em primeiro lugar, era preciso definir o que é "mesquinho". Vou lhes poupar das definições dicionarísticas e formular a pergunta "mesquinho por parte de quem?". Vamos supor, em primeiro lugar, que os objetivos dos cientistas fossem mesquinhos:
Os cientistas realizaram a pesquisa a fim de provar a ineficácia da oração.
Não é bem assim que trabalha a ciência. No método de Francis Bacon, os dados são colhidos e analisados sem interferência do pesquisador. Sabemos que, sendo humanos, há interferência em qualquer coisa que façamos, dissermos ou interpretarmos. No entanto, a ciência desenvolveu métodos para minimizar essa interferência: i. Pesquisas em grupo e equipes; ii. Peer-review; iii. Testes duplo-cegos; iv. Conselhos Científicos; v. Conselhos Editoriais de periódicos especializados, dentre muitos outros. Se alguém pensa que é fácil publicar uma pesquisa num periódico, mude de idéia. Às vezes tenho a impressão de que os conselhos editoriais partem do pressuposto de que "toda a pesquisa é ruim até que se prove o contrário". Sendo assim, a ciência pode ser considerada a forma mais "isenta" de interpretação da natureza que conseguimos criar.
E se, no entanto, os cristãos intercessores não fizeram bem o seu trabalho?
Bem, a pesquisa teve como voluntários dezenas de fiéis de igrejas diferentes que receberam o primeiro nome e a primeira letra do segundo nome de cada paciente. Foram instruídos para orarem 3 vezes ao dia nominalmente por aquelas pessoas com toda a fé que pudessem. A Bíblia diz em Marcos 11.24 "Tudo o que pedirdes em oração, se crerdes, recebereis", e convenhamos que curar pessoas enfermas que sofrem em hospitais é um objetivo altruísta e moralmente bom. Portanto, mesmo que a pesquisa, os pesquisadores e a ciência fossem mesquinhos, por que Deus não curaria pessoas sofridas, mostrando à humanidade, assim, seu poder sobrenatural?
Se você pensar bem, o fenômeno da oração é egoísta e mesquinho por si. Ambroise Bierce afirmou que “Orar é pedir que as leis do universo sejam anuladas em nome de um único requisitante, confessadamente desmerecedor.”
Existe cena mais patética que Kaká levantando o troféu da FIFA aos céus para agradecer a Deus? Será que nenhum outro jogador no mundo merecia essa dádiva? Apenas Kaká é um fiel seguidor de Cristo dentre os futebolistas? Quantas manchetes do tipo "Jogadores do Flamengo rezam por vitória no domingo" já vimos por aí? Por que o homem se acha mais merecedor que outros? Deus interfere no futebol? Deus interfere na vida humana?
2. Não fazia parte do plano de Deus curar aquelas pessoas.
Esse argumento é utilizado com bastante frequência por teístas. Vamos entender, em primeiro lugar, o que seja o Plano de Deus. Os gregos antigos o conheciam pela personalização da Moira; para os egípcios, cada um dos 12 principais deuses regia o destino daqueles que nasciam sob seu signo; os chineses têm seus 4 pilares do Destino; e os judeus e cristãos, o Plano de Deus.
O Plano de Deus é, segundo os parágrafos que falam acerca desse assunto na Carta do Credo de Nicéia, um destino traçado pelo próprio Deus para a vida de cada um dos habitantes da Terra. No entanto, o homem tem o livre-arbítrio para segui-lo ou não, conforme sua vontade.
Não é preciso pensar muito para chegar à conclusão de que livre-arbítrio e plano de Deus são fenômenos excludentes entre si. Que liberdade nós temos se vamos para o inferno se não seguirmos o plano de Deus? Que plano é esse? Como é que o homem descobre esse plano de Deus? Como o segue? A resposta teísta faz parte do contra-argumento 3.
Em segundo lugar, é preciso observar a questão da moralidade no conceito de plano divino. Um plano divino que permite o sofrimento físico e emocional não pode ser considerado moralmente bom se advindo de um Deus de amor. Qual é o plano de Deus para as crianças do Congo? Será que elas sofrem porque não conseguem entender o Plano de Deus? Qual é o plano divino para as pessoas que não conhecem a Cristo e que, segundo os cristãos, vão para o inferno mesmo assim? Qual é o plano divino para o favelado brasileiro, que come restos de legumes de lixões ou para a menina de 13 anos que se prostitui para poder comer? A maior parte dos cristãos diria: "O mal no mundo é consequência do pecado, do livre-arbítrio que Deus deu ao homem".
O livre-arbítrio, como disse, não existe de facto se considerarmos: i. A moral cristã; ii. Os Mandamentos e a Lei; e iii. A Condenação Eterna. Se existe lei, não sou livre. Se preciso seguir preceitos morais cristãos para não ir para o inferno, não sou livre, sou pseudo-livre, pois meu livre-arbítrio só me leva à condenação eterna. Minha submissão, no entanto, aos preceitos cristãos, me salva.
Quanto à questão do pecado - qual é o pecado das crianças do Congo? Qual é o pecado do miserável latino-americano? Quando os discípulos disseram a Jesus que achavam que o cego era cego porque ele ou seus pais haviam pecado, Jesus disse que estavam errados, mas os discípulos estavam certos! Por que somos pecadores? Porque, segundo a Bíblia, Adão e Eva cometeram o fatídico "pecado original". O pecado é herança genética de nossos ancestrais mitológicos.
Somos pecadores porque nossos pais pecaram; somos mesquinhos e merecemos a condenação eterna; somos seres naturalmente imorais e mataríamos e estupraríamos todas as mulheres se não houvesse a religião. Mas... Deus mandou seu Filho para nos redimir de todos os pecados, passados, presentes e futuros. O que fazer então? Arrepender-nos e aceitarmos a Jesus Cristo como único e suficiente salvador. Os adoradores de Krishna, Horus, Thor, Zeus, o Grande Juju da Montanha etc. (dentre 8.400 deuses catalogados), infelizmente, vão todos para o inferno (segundo os protestantes brasileiros, inclusive os católicos, por serem adoradores de Maria).
O que faz o ser humano crer que está certo e todos os outros errados? Você que está lendo este texto e que nasceu, por mero acaso, no mundo ocidental, deve, creio eu, ter sido apresentado ao Deus judaico-cristão Jeová, e talvez até acredite nele. Se você tivesse nascido no Oriente Médio árabe, acreditaria em Allah; se tivesse nascido na Escandinávia medieval, acreditaria em Thor; se tivesse nascido na Índia, acreditaria em Krishna e suas encarnações; se tivesse nascido no Egito antigo, acreditaria em Horus; se tivesse nascido na África Central, acreditaria no Grande Juju da Montanha. O que o faz pensar que você está certo, e todos os outros deuses e livros sagrados do mundo estão errados? Transporte-se para o Oriente. Imagine-se como um fiel seguidor de Ganesh. O que você diria sobre os cristãos ou muçulmanos? O fato de, também por mero acaso, ter nascido no Oriente faria de você uma pessoa pior? Indigna? Mesquinha? Merecedora do castigo eterno?
Epicuro tratava da questão do mal no mundo de uma maneira racional:
O mal existe. Se o mal existe...
a) Deus quer eliminá-lo, mas não pode. Logo, Deus não é onipotente;
b) Deus pode eliminá-lo, mas não quer. Logo, Deus é sádico;
c) Deus não quer eliminá-lo e não pode.
d) Deus pode e quer eliminá-lo. Logo, Deus não existe.
O problema do mal pode, no entanto, ser resolvido de algumas maneiras:
a) O mal existe porque Deus é mau;
b) O mal existe porque existe o Diabo, que trava com Deus uma batalha cósmica;
c) Deus tem tarefas mais grandiosas a fazer do que se preocupar com o sofrimento humano;
d) Deus é indiferente ao sofrimento porque o sofrimento é um preço justo a pagar pelo livre-arbítrio
Se a, logo Deus não é digno de louvor.
Se b, logo Deus é imoral ou não é onipotente. Se Deus não acaba com o diabo porque não quer, é imoral, pois permite o sofrimento humano; se não acaba com o diabo porque não pode, não é onipotente.
Se c, logo Deus é indiferente (o Deus dos deístas, a "força suprema" que não interfere na vida humana) e, portanto, não é digno de adoração.
Se d, logo Deus é imoral.
Um plano de Deus que permite o sofrimento de seus fiéis é imoral. A concessão de um pseudo-livre-arbítrio que leva à condenação eterna, ao sofrimento e ao pecado é imoral. O fato de Deus ter privilegiado a Palestina e, hoje, o mundo ocidental com a influência do cristianismo e com o Cristo é imoral. Os atos divinos relatados na Bíblia (V.T.) são imorais. No entanto...
3. A influência da oração não pode ser medida com métodos científicos.
Esse é talvez o mais frequente argumento dos teístas quando se deparam com questões racionais relacionadas a Deus: Deus não é passível de estudo, ou da compreensão humana. Deus está além do entendimento do homem.
Muito bem, vamos supor que Deus exista, e que seja realmente numênico, ou seja, que exista fora dos planos do tempo e espaço humanos. Então:
a) Deus não interfere na vida humana; ou
b) Deus se manifesta para interferir na vida humana.
Se Deus não interfere na vida humana, a inspiração divina dos autores bíblicos é uma mentira. Se Deus, no entanto, sendo numênico, interfere na vida humana, ele precisa se "manifestar".
Somos seres no tempo (Heidegger) e vivemos num mundo fenomênico. Tudo o que ocorre aqui, ocorre no tempo e se torna um "fainómenos" ("aparição", em grego). Os fenômenos são perceptíveis. Alguns fenômenos são incoscientemente percebidos; outros, conscientemente, mas todos os fenômenos passam pelos filtros dos 5 sentidos humanos, acrescidos de sua cultura.
Se Deus se manifesta a ponto de ser percebido pelo homem (como uma grande luz, como inspiração [do latim "soprar para dentro"], como revelação etc.), Deus se torna fenômeno. E, nesse ínfimo instante em que Deus se faz fenômeno, ele é passível de racionalização. No entanto, a ciência, desde seu nascimento com Galileu e Newton até o século XXI, não teve a oportunidade de estudá-lo porque nenhum fenômeno divino até hoje foi reportado com evidências comprováveis.
Mesmo com um Deus "tímido", seria possível estudar as consequências das interferências de Deus como, por exemplo, o número de pessoas que apresentam melhoras no estado clínico ao receberem a bênção de Deus. O Santuário de Lourdes, por exemplo, recebe 80.000 enfermos por ano (muitos levados em macas e cadeiras de rodas). Em mais de 100 anos de peregrinações, a Igreja, de acordo com seu próprio "Conselho Científico", comprovou 66 curas. O resultado é uma proporção estatisticamente irrelevante. Mesmo assim, as 66 curas ocorreram em órgãos internos ou em patologias que, segundo estatísticas médicas, podem desaparecer sem motivo aparente por defesa do próprio organismo (e, acreditem se quiserem, isso ocorre até com ateus!). Uma pergunta antiga e sem resposta: por que Deus não restaura uma perna a um amputado? Por que as curas são sempre internas?
Por fim, o contra-argumento último de um teísta é sempre no campo pessoal: "Deus existe porque eu sei, eu o sinto, ele falou comigo." ou "Deus me curou do câncer, pois eu fiquei bom depois que eu pedi com fé".
Esse argumento é conhecido como "Argumento da Experiência Pessoal" e será tema de um post futuro.
Grande abraço,
Lanzetti