Tuesday, September 20, 2011

Olá a tod@s,

reproduzo aqui um artigo publicado originalmente na Revista do ISAT no. 7 em 2009 escrito por mim e meus orientandos de Iniciação Científica Danielle Bessa, Fabiana Guedes, Rosana de Freitas e Vinicius Cruz de Moura.


Citações:

LANZETTI, Rafael et al. Procedimentos Técnicos de Tradução - Uma proposta de reformulação. Revista do ISAT, no. 7. São Gonçalo-RJ, 2009. Disponível em http://revista.isat.edu.br/?page_id=54. Acesso em 20/09/2011.


Procedimentos técnicos de tradução _ Uma proposta de reformulação
Rafael Lanzetti, Danielle Bessa, FabianaGuedes, Rosana de Freitas e Vinicius Cruz de Moura
Resumo: Este artigo apresenta uma nova tabela de procedimentos técnicos de tradução, recategorizada e ampliada, a partir das propostas de Barbosa (1990) e de Lanzetti (2006). Nesta tabela, os procedimentos foram categorizados de acordo com os paradigmas schleiermacherianos de tradução estrangeirizadora e domesticadora (2001ª e b). Com base nessa recategorização, redefinimos os procedimentos técnicos de tradução e incluimos outros a partir da análise de traduções selecionadas, feitas por alunos e profissionais de tradução ao longo de dois anos, de 2006 a 2008.
Palavras-chave: tradução, procedimentos técnicos, Schleiermacher
Este artigo tem por objetivo apresentar uma proposta de reformulação, recategorização e ampliação da tabela de procedimentos técnicos de tradução compilada por Heloisa Barbosa em seu livro Procedimentos técnicos de tradução: uma nova proposta de 1990.
Procedimentos técnicos de tradução são, segundo Barbosa (1990: 17), “ações de cunho lingüístico e técnico praticadas por tradutores a fim de realizar pragmaticamente o processo de tradução”. Em seu livro, Barbosa faz um levantamento dos modelos de procedimentos tradutórios de Vinay-Darbelnet (1977), Nida (1964 e 1966), Catford (1965), Vázquez-Ayora (1977) e Newmark (1981). A partir desses modelos, Barbosa compila sua própria proposta de como traduzir a partir de um quadro de categorização dos procedimentos técnicos, pois, segundo a autora, “devido às discrepâncias entre os modelos descritivos de procedimentos técnicos da tradução e à divergência terminológica entre eles, é necessário propor-se uma nova caracterização de tais procedimentos” (BARBOSA, 1990: 63). Esse quadro é reproduzido a seguir:
Tabela 1: Proposta de categorização dos procedimentos técnicos da tradução
Convergência do sistema lingüístico, do Estilo e da Realidade Extralingüística
Divergência do sistema lingüístico
Divergência do Estilo
Divergência da realidade extralingüística
Tradução palavra-por-palavra
Tradução literal
Transposição
Modulação
Equivalência
Omissão VS Explicitação
Compensação
Reconstrução
Melhorias
Transferência
Transferência com explicação
Decalque
Explicação
Adaptação
(BARBOSA, 1990: 93)
No entanto, pode ser difícil estabelecer fronteiras entre os procedimentos técnicos da tradução, uma vez que um procedimento pode requerer outro, ser mesclado com um terceiro, ou mesmo ser conseqüência de um quarto. Talvez, na atividade tradutória, alguns dos procedimentos e estratégias que os sujeitos utilizam não façam parte dessas categorizações. Algumas vezes, os procedimentos e estratégias podem aparecer acoplados uns aos outros, e seria difícil dizer onde termina um e começa outro, ou qual deles está numa posição superior na hierarquia de uma determinada ação.
A fim de ampliar o leque de procedimentos, recategorizá-los e defini-los com mais especificidade, Lanzetti (2006) propõe uma nova tabela, apresentada a seguir.
    1. Nova Tabela de Procedimentos Técnicos de Tradução
Lanzetti decidiu, a partir dos paradigmas tradutórios schleiermacherianos (SCHLEIERMACHER, 2001b), dividir os procedimentos em duas categorias principais – procedimentos estrangeirizadores e procedimentos domesticadores. Os procedimentos estrangeirizadores aproximam o texto de chegada do texto original através do recurso de manutenção de itens lexicais, estruturas e estilo. Os procedimentos domesticadores afastam o texto de chegada do texto original, aproximando a tradução das estruturas linguísticas e da realidade extratextual da língua e da sociedade-alvo.
A seguir, apresentamos a tabela e descrevemos cada um dos procedimentos categorizados:
Tabela 2: Procedimentos técnicos de tradução – Reformulação proposta por Rafael Lanzetti (2006)
  1. Categorias de procedimentos
    1. Estrangeirizadores
    2. Domesticadores
    1. Procedimentos estrangeirizadores
      1. Tradução palavra-por-palavra
      2. Manutenção
        1. de itens lexicais do texto-fonte (empréstimo)
          1. sem aclimatação (empréstimo direto)
          2. com aclimatação (aportuguesamento)
          3. decalque
          4. hibridismo
        2. de estruturas sintáticas do texto-fonte
          1. manutenção da ordem dos elementos sintáticos
        3. do estilo do texto-fonte
            1. manutenção do uso de sinais de pontuação
            2. manutenção do registro
            3. manutenção do layout
            4. manutenção do uso de voz passiva/voz ativa
            5. manutenção do uso de coordenação/subordinação
            6. manutenção do uso de marcadores do discurso
            7. manutenção do uso de referências (endóforas/exóforas)
            8. manutenção da adjetivação
            9. manutenção da complexidade/fluidez estilística
        4. de itens culturais da cultura-fonte
    2. Prodedimentos domesticadores
      1. Domesticação do sistema linguístico
        1. Transposição
        2. Modulação
        3. Equivalência
          1. de expressões idiomáticas, ditados, provérbios etc.
          2. funcional
        4. Sinonímia
        5. Paráfrase
      2. Domesticação do estilo
        1. Omissão
        2. Explicitação
        3. Generalização (uso de hiperônimo)
        4. Especificação (uso de hipônimo)
        5. Compensação
          1. Ibidem
          2. Alibi
        6. Reconstrução
          1. sintática
          2. semântica
        7. Equivalência estilística (melhoria)
        8. Mudança de registro
        9. Mudança de complexidade/fluidez estilística
        10. Adaptação
      3. Domesticação da realidade extra-linguística
        1. Transferência
        2. Explicação
          1. intratextual (entre parênteses, entre vírgulas etc.)
          2. pára-textual (notas do tradutor, prefácio etc.)
        3. Ilustração
1.2 Descrição dos procedimentos estrangeirizadores
Os procedimentos estrangeirizadores são dois, a saber: tradução palavra-por-palavra e manutenção.
A tradução palavra-por-palavra pressupõe que o texto de chegada terá o mesmo número de palavras do texto original, obrigatoriamente na mesma ordem sintática.
Ex.: She went to the supermarket yesterday.
Ela foi ao supermercado ontem.
Neste exemplo, embora o número de palavras não seja o mesmo na tradução, por conta da contração da preposição e do artigo definido, o procedimento empregado foi a tradução palavra-por-palavra. Esse procedimento é utilizado todas as vezes em que o texto original não apresenta nenhuma dificuldade tradutória lexical, estrutural ou cultural e sua tradução pode ser feita sem nenhuma alteração lexical, sintática ou extratextual. Embora a tradução palavra-por-palavra tenha ganhado conotações pejorativas ao longo da evolução da teoria da tradução, esse procedimento é utilizado em larga escala, principalmente em textos técnicos por conta de sua simplicidade sintática e consequente universalização estrutural.
A manutenção, denominada anteriormente por outros autores tradução literal, é subdividida em quatro subcategorias: manutenção de itens lexicais do texto-fonte, manutenção de estruturas sintáticas do texto-fonte, manutenção do estilo do texto-fonte e manutenção de itens culturas da cultura-fonte.
A manutenção de itens lexicais do texto-fonte, também conhecida como empréstimo, ocorre quando o tradutor decide manter, no texto de chegada, um item lexical da língua-fonte. O empréstimo pode ser feito sem aclimatação ortográfica quando, por exemplo, o tradutor decide manter a palavra feedback no texto de chegada em português; ou com aclimatação, quando palavras estrangeiras adquirem nova forma ortográfica condizente com o sistema fonético-ortográfico da língua de chegada. Ex.: New York > Nova Iorque, whisky > uísque, football > futebol. O empréstimo pode ainda ser feito por decalque, em que os morfemas formadores da palavra na língua-fonte são traduzidos para a língua de chegada (ex.: skyscraper > arranha-céus, hi-fi > alta fidelidade, science-fiction > ficção científica), e por hibridismo, em que um neologismo é formado a partir de morfemas lexicais de duas ou mais línguas diferentes (ex.: iceberg, do ing. ice, gelo + alem. Berg, montanha; e agricultura, do gre. ager, campo + lat. cultura).
A manutenção de estruturas sintáticas do texto-fonte é utilizada quando tais estruturas ou ordens sintáticas da língua-fonte coincidem com a estrutura ou a ordem sintática da língua-alvo.
Ex.: Long time no see you!
Há quanto tempo não vejo você!
Neste exemplo, o número de palavras do texto-alvo não é o mesmo do texto-fonte, portanto o procedimento não pode ser caracterizado como tradução palavra-por-palavra. No entanto, a ordem estrutural permaneceu a mesma. No texto-fonte temos [adj. adv. de tempo] + [adj. adv. de negação] + [verbo na 1ª pess. do sing.] + [obj. direto], exatamente a mesma estrutura do texto de chegada.
No procedimento de manutenção do estilo do texto-fonte, podem ser mantidos os sinais de pontuação do texto-fonte, o registro (formal, neutro, informal), o layout (disposição gráfica dos elementos do texto na página), a frequência de uso da voz passiva e/ou da voz ativa, o uso de coordenações e/ou subordinações, o uso de marcadores do discurso (certo, agora, veja bem, entende, quero dizer, dentre outros), o uso de referências dêiticas (intratextuais, ou endóforas) através de pronomes dêiticos, sinonímia e substituição lexical, e referências exóforas (cujos referentes não estejam presentes no texto); o uso de adjetivação e a complexidade ou fluidez estilística com que o texto-original tenha sido escrito.
Na manutenção de itens culturais da cultura-fonte, o tradutor decide reproduzir o item cultural do texto-fonte no texto de chegada sem nenhuma explicação ou explicitação. Isso ocorre principalmente quando o tradutor julga que o item cultural presente no texto-fonte é compreensível ao público-leitor do texto de chegada.
1.3 Descrição dos procedimentos domesticadores
1.3.1 Domesticação do sistema lingüístico
Os procedimentos de domesticação do sistema linguístico pressupõem mudanças na estrutura do texto-fonte ao traduzi-lo à língua-alvo para que se adeque à estrutura sintática e lexical da língua de chegada.
1.3.1.1 Transposição
Transposição é a mudança da ordem sintática de um ou dois elementos sintáticos do texto-fonte. Ocorre por razões de obrigatoriedade sintática ou pragmática da língua de chegada.
Ex. 1: Rick is a very tall man.
Rick é um homem muito alto.
Neste exemplo, o sintagma nominal [very tall] foi transposto da posição anterior ao núcleo do sujeito no texto original para a posição posterior ao núcleo do sujeito no texto de chegada. Aqui, a transposição é pragmaticamente obrigatória, já que a sentença [Rick é um muito alto homem] seria apragmática.
Ex. 2: German scientists discovered a new type of stem-cell on Friday.
Na sexta-feira, cientistas alemães descobriram um novo tipo de célula-tronco.
Neste exemplo, a transposição do adjunto adverbial de tempo do fim da sentença no texto-fonte para o início da sentença no texto-alvo não era obrigatória. No entanto, a partir de observações de textos jornalísticos, parece que, em português do Brasil, prefere-se colocar os adjuntos adverbiais de tempo e lugar no início das sentenças, ao contrário do inglês americano, em que os adjuntos adverbiais aparecem com mais frequência no final das sentenças.
1.3.1.2 Modulação
A modulação ocorre quando a palavra do texto-fonte muda de classe gramatical ao ser traduzida para a língua-alvo.
Ex. 1: Introducing the concept of gene.
Introdução ao conceito de gene.
Neste exemplo, a palavra [introducing], um verbo no gerúndio, é modulada para um substantivo na língua de chegada.
A modulação também ocorre quando um verbo no gerúndio é traduzido para o infinitivo ou vice-versa.
Ex. 2: Connecting the cables.
Como conectar os cabos.
1.3.1.3 Equivalência
O procedimento de equivalência é dividido em duas subcategorias – equivalência de expressões idiomáticas, ditados e provérbios; e equivalência funcional.
A equivalência de expressões idiomáticas, ditados e provérbios ocorre quando há, na língua de chegada, uma expressão idiomática, ditado ou provérbio com o mesmo valor semântico e que use os mesmos símbolos ou alusões da expressão idiomática da língua-fonte.
Ex. 1: Not all that glitters is gold.
Nem tudo que reluz é ouro.
Ex. 2: Better late than never.
Antes tarde que nunca.
Ex. 3: Can you give me a hand?
Você pode me dar uma mão?
Nos dois primeiros exemplos, provérbios populares ingleses foram traduzidos pelos correspondentes na língua portuguesa, que utilizam os mesmos símbolos e possuem o mesmo valor semântico dos provérbios da língua-fonte. No exemplo 3, a expressão idiomática [to give a hand] foi traduzida pela sua correspondente em português, que utiliza igualmente o mesmo referente [mão] e possui o mesmo valor semântico.
A equivalência funcional ocorre quando a expressão idiomática, provérbio ou ditado da língua-fonte não possui correspondente na língua-alvo com os mesmos símbolos e referentes, mas utiliza outros para chegar ao mesmo valor semântico. Possuem, portanto, a mesma função semântica.
Ex. 4: The one who sleeps with dogs wakes up with fleas.
Quem se junta aos porcos, farelo come.
Ex. 5: The squeeky wheel gets the grease.
Quem não chora não mama.
No exemplo 4, o ditado popular foi traduzido por outro com a mesma estrutura lógico-sintática, porém com outros referentes. No exemplo 5, o ditado traduzido por equivalência funcional não possui a mesma estrutura sintática, mas expressa o mesmo valor semântico-funcional.
1.3.1.4 Sinonímia
A sinonímia é utilizada quando o tradutor traduz um elemento lexical do texto-fonte por um sinônimo na língua-alvo.
Ex. 1: My uncle used to play the accordion we he was young.
Meu tio tocava sanfona quando era jovem.
Neste exemplo, o tradutor decidiu utilizar um sinônimo para [accordion], sanfona, no lugar de acordeon.
Ex. 2: Chelsea won the championship on the last round.
O Chelsea venceu o certame na última rodada.
Neste exemplo, o tradutor decidiu utilizar o sinônimo certame no lugar da tradução imediata para championship, campeonato.
1.3.1.5 Paráfrase
A tradução por paráfrase ocorre quando o tradutor decide utilizar estruturas mais longas e menos diretas para expressar, no texto-alvo, elementos do texto-fonte. O eufemismo geralmente é construído a partir de paráfrases.
Ex. 1: In my opinion, the President lied about the corruption scandal.
Na minha opinião, o presidente faltou com a verdade em relação ao escândalo de corrupção.
Neste exemplo, o tradutor decidiu usar uma estrutura parafrástica eufemística para expressar o verbo [to lie] do texto-fonte.
A paráfrase também ocorre quando uma estrutura sintática da língua-fonte precisa ser traduzida por uma estrutura mais longa na língua-alvo.
Ex. 2: How proficient are you in Chinese?
Como você avalia seu grau de proficiência em chinês?
Aqui o tradutor utilizou uma estrutura parafrástica, portanto mais longa, para expressar o mesmo valor semântico da estrutura sintética da língua-fonte.
1.3.2 Domesticação do estilo
Os procedimentos de domesticação do estilo pressupõem mudanças na estrutura estilística do texto-fonte para que se adeque à estrutura estilístico-pragmática da língua-alvo.
1.3.2.1 Omissão
A omissão é utilizada quando o tradutor decide não traduzir para o texto-alvo algum item lexical ou estrutura do texto-fonte.
Ex.: Capoeira, an interesting blend of dance and martial arts, is facing gradual revival in Brazil.
A capoeira está passando por uma gradual revitalização no Brasil.
Aqui o tradutor decidiu omitir o aposto relacionado à capoeira no texto-alvo, talvez por considerar que o público-leitor do texto traduzido não necessitava da explicação dada no texto-fonte.
1.3.2.2 Explicitação
O procedimento de explicitação é utilizando quando o tradutor decide acrescer ao texto-alvo alguma informação não expressa no texto-fonte.
Ex.: The IRS may collect over 2 billion dollars in taxes this year.
Este ano, a Receita americana deve arrecadar mais de 2 bilhões de dólares em impostos.
Neste exemplo, o tradutor decidiu explicitar a informação de que se tratava da Receita dos Estados Unidos, já que tal informação, subentendida no texto original, daria a impressão, no texto-alvo, de que se tratava da Receita Federal brasileira.
Ex. 2: Elite Squad was the Golden Bear Award-Winner in 2008.
O filme Tropa de Elite foi o vencedor do Urso de Ouro do Festival de Cinema de Berlim em 2008.
Neste exemplo, o tradutor explicitou o item lexical filme e a informação de que o prêmio foi concedido no Festival de Cinema de Berlim.
1.3.2.3 Generalização e especificação
Os procedimentos de generalização e especificação ocorrem quando o tradutor utiliza, para traduzir um determinado item lexical do texto-fonte, hiperônimos e hipônimos, respectivamente.
Ex. 1: When I opened the door, my palmtop was not there anymore.
Quando abri a porta, meu computador não estava mais lá.
Neste exemplo, o tradutor utilizou generalização do termo palmtop, pois usou o hiperônimo computador.
Ex. 2: The famous Brazilian “farofa” is made with fried flour and sausages.
A famosa farofa brasileira é feita com farinha de mandioca e linguiça.
Aqui o tradutor decidiu especificar o tipo de farinha utilizada através de um hipônimo, farinha de mandioca. O uso desse recurso pode ter ocorrido porque o tradutor, de posse da informação que faltava no texto-fonte, considerou que era seu dever incluí-la no texto-alvo.
1.3.2.4 Compensação
Compensação é a tentativa, por parte do tradutor, de utilizar o mesmo recurso estilístico usado no texto-original, porém com referentes ou símbolos diferentes. A compensação é ibidem quando ocorre no mesmo lugar (parágrafo ou período) onde o recurso estilístico reproduzido do texto-original se encontra; e alibi quando o tradutor, vendo-se impossibilitado de reproduzir o mesmo recurso estilístico do texto-original no mesmo lugar em que aparece, decide fazê-lo em outro parágrafo ou outro período do texto-alvo. A compensação é utilizada geralmente quando há, no texto-fonte, incidências de jogos de palavras, rimas e anedotas.
Ex.: “You sit here and car.”
“OK, what kind of car am I?”
“A 280-Zit.”
“Você fica aqui e finge que é um carro”
“Tá certo, e que tipo de carro eu sou?”
“Um Mercedes Classe A-cne.”
No diálogo acima, retirado de um filme de comédia americano, dois irmãos estavam conversando sobre a promissora carreira de modelo de Kate, a irmã. A menina queria treinar para o próximo trabalho que iria realizar, o de modelo numa exposição de automóveis. Para tanto, ela pede que o irmão finja ser um carro (…you sit here and car.), a fim de que possa fazer as poses de modelo. O irmão adolescente pergunta a Kate que tipo de carro ele seria, ao que ela responde 280-Zit, uma alusão ao Datsun 280Z, um carro luxuoso conhecido do público norte-americano, acrescido do jogo de palavra [Z zit], uma alusão ao fato de o irmão ser um adolescente cheio de acnes. Ao traduzir, o tradutor, vendo-se impossibilitado de usar o mesmo referente para produzir o jogo de palavras, decidiu usar o Mercedes Classe-A, um carro igualmente luxuoso e conhecido do público-leitor brasileiro, com o qual poderia construir a polissemia utilizando a palavra acne, mantendo assim a comicidade do texto original.
1.3.2.5 Reconstrução
O procedimento de reconstrução pressupõe mudanças na ordem sintática e na estrutura estilística de toda a sentença (reconstrução sintática) ou na estrutura lógico-semântica da sentença (reconstrução semântica) a fim de manter o valor semântico do texto-fonte.
Ex. 1: We examined the patients after taking the prescribed medicine and came to the conclusion that the substances utilized are harmless.
Os pacientes foram examinados após tomarem a medicação prescrita e chegou-se à conclusão de que as substâncias utilizadas são inofensivas.
Neste exemplo, a voz ativa do texto-fonte foi reconstruída para a voz passiva no texto-alvo.
Ex. 2: Specialists are convinced that the WTC Twins were demolished rather than crashed down by the airplanes.
Os especialistas estão convencidos de que a causa da queda das torres gêmeas foi implosão, e não a colisão com os aviões como antes se pensava.
Neste exemplo, o tradutor reconstruiu sintaticamente todo a oração subordinada objetiva indireta, substantivando os verbos demolish e crash, acrescentando o substantivo causa, o verbo-cópula ser e o predicativo do sujeito, além de uma oração adverbial no final do período. Esse tipo de construção mais nominalizada que verbalizada é muito comum em textos jornalísticos no Brasil. No inglês, a tendência parece ser inversa – os jornais em língua inglesa, de acordo com nossa observação, parecem preferir a verbalização.
Ex. 4: The father arrived, hugged his daughter and kissed her in the mouth.
Ao chegar, o pai deu um abraço em sua filha e a beijou na testa.
No exemplo 4, o tradutor decidiu reconstruir semanticamente o período e substituiu o referente boca por testa. Ao ser indagado sobre o porquê da escolha, o tradutor em questão afirmou que, no Brasil, é muito incomum um pai dar um beijo na boca de sua filha de 15 anos e preferiu usar uma estrutura semântica que não chamasse a atenção dos leitores, mais “neutra”.
Ex. 5: Oh, your test was not bad at all, Alex.
Alex, sua prova está muito boa.
No exemplo 5, o tradutor decidiu reconstruir o vetor de sentido negativo do texto-fonte e transformá-lo num texto-alvo com vetor de sentido positivo, utilizando para tanto o procedimento de reconstrução semântica.
1.3.2.6 Equivalência estilística
A equivalência estilística, também conhecida como melhoria, é usada quando o tradutor inclui no texto padrões retóricos relacionados com a tipologia textual a qual o texto pertence. Esse recurso é utilizado geralmente para explicitar características estilísticas da tipologia textual não presentes no texto-fonte.
Ex.: The little girl said she was carrying a basket of food to her grandmother.
A menininha disse que estava levando uma cesta de doces para a vovozinha.
Neste exemplo, o tradutor utiliza o procedimento de equivalência estilística para traduzir basket of food por cesta de doces e grandmother por vovozinha. Após identificar que o texto-fonte pertence à tipologia textual conto infantil, o tradutor decidiu explicitar, no texto-alvo, padrões retóricos pertencentes a essa tipologia que não estavam explícitos no texto-fonte.
1.3.2.7 Mudança de registro
A mudança de registro ocorre quando o tradutor decide traduzir um texto com registro informal para linguagem formal (ou neutra) ou vice-versa.
Ex.: Hey, asshole, I’m going to bust your head all over this fucking parking lot!
Ei, seu babaca, eu vou estourar seus miolos por toda essa droga de estacionamento!
Neste exemplo, o tradutor evitou utilizar palavras ofensivas de baixo calão e decidiu “neutralizar” o registro do texto. No entanto, essa decisão nem sempre cabe ao tradutor. As agências de tradução que prestam serviços de tradução para dublagem e legendagem de material áudio-visual, por exemplo, possuem regras estritas de uso de palavras de baixo calão e coloquialismos. Os tradutores que trabalham para tais agências precisam seguir os manuais de estilo fornecidos pelas empresas.
1.3.2.8 Mudança de complexidade/fluidez estilística
O procedimento de mudança de complexidade/fluidez estilística é mais amplo, e sua observação pressupõe a análise de todo o texto traduzido. A mudança na complexidade estilística do texto é alcançada através do uso de outros procedimentos tradutórios domesticadores do sistema linguístico, do estilo e da realidade extralinguística. Esse procedimento é utilizado quando, por alguma razão, o tradutor ou o cliente consideram que o texto original é complexo ou simples demais estilística ou semanticamente e o público-leitor, por essa razão, não o aceitaria naturalmente.
1.3.2.9 Adaptação
O procedimento de adaptação também só pode ser observado a partir de uma análise de todo o texto traduzido e é alcançado através de outros procedimentos descritos neste trabalho. A adaptação ocorre, por exemplo, quando um texto originalmente escrito para o público adulto é traduzido para ser publicado para o público infantil, ou quando o texto-fonte foi escrito originalmente para o cinema e é traduzido para ser publicado como romance. A adaptação pressupõe mudanças profundas no estilo do texto, adaptando-o ao novo contexto editorial e/ou ao público ao qual se destinará a tradução.
1.3.3 Domesticação da realidade extralinguística.
Os procedimentos de domesticação da realidade extralinguística implicam mudanças ou substituições dos itens culturais e referências exóforas presentes no texto-fonte.
1.3.3.1 Transferência
Transferência é a substituição de um item cultural do texto-fonte num item cultural de mesma função no texto-alvo.
Ex. 1: Mount McKinley has the height of 135 Statues of Liberty.
O Monte McKinley possui a altura equivalente a 165 estátuas do Cristo Redentor.
Neste exemplo, o tradutor decidiu substituir a referência à Estátua da Liberdade por uma referência mais próxima do público-alvo, já que muito mais brasileiros têm idéia aproximada da altura do monumento ao Cristo Redentor que da Estátua da Liberdade novaiorquina.
Ex. 2: My daughter is going to throw a great party at her Sweet 16.
Minha filha vai dar uma grande festa nos seus 15 anos.
No exemplo 2, o tradutor decidiu substituir o referente à festa de debutantes aos 16 anos nos EUA e Inglaterra pela referência à tradição latina de celebrar o começo da idade adulta aos 15 anos.
Ex. 3: Jesus é o Cordeiro de Deus.
Jesus é a Foca de Deus. (tradução da Bíblia para a língua Ynuit)
No exemplo 3, os tradutores da Bíblia para a língua Ynuit dos esquimós habitantes do Norte do Canadá e Groenlândia expressam sua preferência pela domesticação através de transferência de itens culturais dos judeus palestinos para itens conhecidos de fácil compreensão dos esquimós que possuem as mesmas importância e função nas duas culturas.
1.3.3.2 Explicação
O procedimento de explicação é utilizado quando o tradutor acrescenta, no texto-alvo, um aposto elucidando a composição ou função de um determinado elemento da cultura a que pertence o texto-fonte. A explicação pode vir entre parênteses ou entre vírgulas (explicação intratextual), ou em nota de rodapé, nota do tradutor (NdT), nota de fim de livro ou no prefácio (explicação paratextual). As edições da Bíblia para estudo contêm muitas explicações paratextuais sobre termos-chave das línguas dos originais para acrescentar elucidações sobre polissemias e implicações não expressas pela tradução.
1.3.2.3 Ilustração
O procedimento de ilustração é utilizado quando o tradutor acrescenta ao texto formas gráficas, ícones ou desenhos/fotos para tornar clara a tradução do texto-fonte. Este procedimento é geralmente utilizado em manuais técnicos, em que fotos dos aparelhos, botões, substâncias ou materiais referidos no texto-fonte aparecem ao lado de seus referentes.
As descrições dos procedimentos técnicos de tradução independem de qualquer julgamento quanto à legitimidade ou à adequação de uso. O emprego de cada procedimento é altamente dependente do contexto tradutório e das personagens envolvidas no contrato de tradução. Cabe aos pesquisadores de tradução, principalmente aos que realizam pesquisas cognitivas através de protocolos verbais e textuais, investigar como e por que os procedimentos são utilizados nos mais diversos contextos tradutórios, tanto em tradução técnica como em tradução literária.
Por fim, é possível dizer que as fronteiras entre os procedimentos não são estáticas e por vezes podem se apresentar congruentes. Procedimentos de transposição e reconstrução podem se confundir em determinadas situações, os limites da adaptação e da mudança de registro podem não se apresentar claros, os procedimentos de paráfrase e explicitação podem, em determinados contextos, ser considerados congruentes, dentre muitos outros problemas de análise detectados. Cabe ao pesquisador e ao crítico de tradução estabelecer essas fronteiras onde a tabela aqui apresentada possui hiatos.
Abstract: This article presents a new, recategorized and enlarged table of translation procedures based on the previous works of Barbosa (1990) and Lanzetti (2006). The procedures were categorized according to the translation paradigms proposed by Schleiermacher (2001a & b), namely – the foreignizing and domesticing translation paradigms. Based on this recategorization, we redefine existing translation procedures and include others as of the analysis of translations done by translators in training and professional translators collected within the years of 2006 and 2008.
Key words: translation, translation procedures, Schleiermacher
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Heloisa Gonçalves. Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. Campinas: Pontes, 1990
CATFORD, J. C. A linguistic theory of translation. Oxford: Oxford University, 1965
LANZETTI, Rafael. Domesticação e Estrangeirização nas Estratégias e Procedimentos Tradutórios de Tradutores Aprendizes. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras. Dissertação de Mestrado do Programa Interdisciplinar de Lingüística Aplicada, 2006
NEWMARK, Peter. Approaches to translation. Oxford: Pergamon, 1981
NIDA, Eugene. Toward a science of translating: with special reference to principles and procedures involved in Bible translating. Leiden: Brill, 1964
___________ . Principles of translation as exemplified by Bible translating. In: BROWER, Reuben A. On translation. Nova Iorque: Oxford University, 1966
SCHLEIERMACHER, Friedrich E. Über die verschiedenen Methoden des Übersezens, 2001a. In: HEIDERMANN, Werner (org.) Antologia: Clássicos da teoria da tradução. Vol. 1: alemão-português. Florianópolis: Editora UFSC, p. 27-86, 2001a
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