Wednesday, November 21, 2012

Aprendizado de Idiomas - FAQ


Aprendizado de línguas estrangeiras - FAQ

Olá a tod@s,

faço aqui um resumo das principais perguntas que as pessoas me fazem a respeito do aprendizado de idiomas. As perguntas foram feitas através de comentários e mensagens privadas no YouTube e comentários no blog Polipoiésis (polipoiesis.blogspot.com). As respostas refletem obviamente a minha opinião, e não são necessariamente baseadas em pesquisas, mas em observação e experiência no ensino e aprendizado de idiomas estrangeiros. Mais perguntas e respostas serão acrescentadas no futuro.

FAQ

  1. Existem línguas mais fáceis e mais difíceis de se aprender?
    Do ponto de vista linguístico, todas as línguas humanas são complexas, porque são as ferramentas utilizadas por comunidades para expressar os mais diversos fins comunicativos, refletindo a complexidade das relações humanas. No entanto, os linguistas sabem que as línguas podem ser mais ou menos complexas em cada aspecto sistemático - algumas línguas têm estruturas verbais mais complexas, como as línguas latinas; outras têm uma gama maior de preposições e partículas, como as línguas germânicas; outras ainda possuem desinências sintáticas intrincadas, como o russo. Dois fatores, no entanto, determinam a complexidade relativa de uma língua para o aprendiz: proximidade e imersão. Línguas com estruturas próximas, que pertencem ao mesmo ramo linguístico, são indiscutivelmente mais fáceis de se aprender. É o caso do espanhol para brasileiros, do norueguês para dinamarqueses, do sérvio para croatas, do alemão para holandeses, e assim por diante. Por outro lado, quanto mais contato se tem com a língua, quanto mais imerso o aprendiz, mais rápido será o aprendizado. A ubiquidade do inglês acaba por facilitar o acesso de quem quer aprender o idioma. A imersão também é a razão pela qual aprendizes que vivem em países onde a língua estrangeira é falada adquirem-na com mais rapidez;
  2. Qual a diferença entre língua materna, segunda língua e língua estrangeira?
    A língua materna é a primeira língua que se adquire na vida, geralmente de seus pais, é a língua na qual nos expressamos com total naturalidade, sem muito esforço mental. A segunda língua é adquirida em países em que essa língua é falada. Um brasileiro que vai morar na Inglaterra aprende inglês britânico como segunda língua. É também o caso de países, geralmente ex-colônias europeias na América, África e Ásia, que possuem dialetos/línguas locais, mas em que as línguas dos ex-colonizadores é usada oficialmente, nas escolas, em repartições públicas, em documentos oficiais etc. A língua estrangeira é aprendida em lugares onde essa língua não é usada com fins oficiais nem como língua materna. As estratégias e dificuldades de aprendizado nas três situações são bastante distintas. Essa é uma das razões que explicam o fato de o aprendizado de línguas estrangeiras por parte de adultos precisar ser diferente do aprendizado de língua materna das crianças;
  3. Qual a diferença entre língua e dialeto?
    Existem, linguisticamente falando, duas diferenciações básicas - o dialeto diassistêmico e o dialeto social. Max Weinreich disse que “Uma língua é um dialeto com um exército e uma marinha”, quer seja, todas as línguas são dialetos sistêmicos de uma suposta língua primordial. Com o passar dos séculos, as línguas se dividiram em troncos (indo-europeu, uralo-altaico, fino-ugarítico, sino-tibetano etc.) e, posteriormente, em ramos (indo-europeu: latino, germânico, eslavo, grego etc.). Sistemas linguísticos de prestígio, que formaram nações e que hoje possuem organização governamental são chamados de línguas, enquanto suas variantes diassistêmicas são chamadas de dialetos. Por outro lado, os dialetos podem sofrer variação social - de acordo com a região (dialetos diatópicos), com a camada social (dialetos diastráticos) e com a etnia (dialetos diaétnicos). No Brasil, os dialetos se diferenciam muito mais pela região (dialeto do Rio de Janeiro, da Bahia, do Rio Grande do Sul) e da camada social (dialeto das zonas pobres do Rio vs. dialeto dos condomínios na Barra da Tijuca) que pela etnia. Nos EUA, existem dialetos marcadamente étnicos, como o Ebonics, falado por negros do Sul e de áreas pobres de Nova York, por exemplo. Linguisticamente não há nenhuma relação entre inteligibilidade e dialeto, ao contrário do senso comum;
  4. Quanto tempo se leva para aprender uma língua?
    Obviamente isso depende de um número considerável de fatores, como nível de imersão e proximidade (cf. pergunta 1 acima), recursos didáticos disponíveis e motivação, mas sempre que me perguntam isso eu respondo 5.000 horas. Essa quantidade de tempo de dedicação ao idioma pode levar de 2 a 10 anos. Nessas 5 mil horas também é contado o tempo em que você assiste TV na língua estrangeira, escreve e-mails na língua, ouve música e lê textos na Internet. Um tempo que considero razoável é de 4 anos. Em 4 anos, com um nível de dedicação mediano, é possível aprender as línguas mais próximas do português (as línguas dos ramos latino, germânico, grego e eslavo, por exemplo). Línguas de outros ramos e de outros troncos linguísticos podem levar muito mais tempo para ser adquiridas;
  5. O que pode dificultar o aprendizado de uma língua estrangeira?
    Principalmente a falta de material, tanto didático quanto real (vídeos, música, textos etc.). Com a Internet, a disponibilidade de material nos mais variados idiomas é imediata e muitas vezes gratuita. No entanto, ainda não é tão simples encontrar material em línguas menos aprendidas, como as línguas do tronco polinésio, ou mesmo línguas ocidentais mais raras, como o islandês. Além disso, há o fator linguístico. Quanto menos próxima a língua que você quer aprender é da sua língua materna, teoricamente mais dificuldades você terá. Alfabetos diferentes do latino, sistemas de formação de palavras diferentes, ordens sintáticas diferentes da SVO (sujeito-verbo-objeto) usada em português, sistema fonético com sons que utilizam modos e pontos de articulação inexistentes no português, uso de radicais lexicais diferentes dos encontrados em línguas indoeuropeias, entre outros muitos fatores, dificultam o aprendizado do idioma;
  6. O que se aprende quando se aprende uma língua estrangeira?
    Em geral, adquirimos quatro habilidades; duas passivas - ler e entender discurso oral - e duas ativas - escrever e falar. Pessoas diferentes têm dificuldades e facilidades para adquirir habilidades diferentes. Em geral, a habilidade “menos complexa”, a que se adquire primeiro, é ler, seguida de escrever, entender e falar. Essa sequência ocorre naturalmente comigo quando aprendo um idioma novo, mas pode não ocorrer com outras pessoas. Um fator importante a ser considerado é a necessidade ou não de se aprender as quatro habilidades. Um cientista que precisa ler artigos em inglês não precisa necessariamente aprender a falar e entender inglês. Um controlador de tráfego aéreo que precisa emitir mensagens em inglês a pilotos não precisa necessariamente aprender a escrever na língua. Além disso, ao contrário do que apregoam os cursos de idiomas, falar uma língua não é necessariamente a habilidade mais importante. Quando se aprende um idioma, o aprendiz precisa ter uma noção exata dos objetivos que quer alcançar com a língua estrangeira. Para tanto, em muitos casos é recomendado o Aprendizado de Idioma para Fins Específicos;
  7. O que é Aprendizado de Idioma para Fins Específicos?
    É o aprendizado voltado para objetivos pragmáticos - “Inglês e Espanhol para garçons”, “Inglês para controladores de tráfego aéreo”, “Alemão para executivos da Volkswagen”, “Italiano para jogadores de futebol que vão jogar na Itália”, e assim por diante. Nesse tipo de aprendizado direcionado, o aprendiz dá a devida ênfase a determinadas habilidades e a tarefas que o ajudem a alcançar apenas os objetivos propostos. Esse tipo de aprendizado era conhecido como “Aprendizado de Língua Instrumental”, e é usado, por exemplo, como currículo nas escolas públicas brasileiras. Nas aulas de língua estrangeira em escolas de nível básico e médio, a ênfase do aprendizado é na leitura de textos. De maneira geral, mesmo que inconscientemente, todos os aprendizes aprendem uma língua estrangeira com objetivos específicos em mente. É fundamental ter consciência desses objetivos para poder orientar os estudos, economizar tempo, esforço e dinheiro no processo de aprendizagem.
  8. E se eu quiser aprender as quatro habilidades?
    A situação ideal é aquela em que o aprendiz tem tempo, dedicação e motivação suficientes para adquirir as quatro habilidades a fim de utilizá-las numa vasta gama de contextos e interações sociais. As provas de proficiência em língua estrangeira geralmente medem a proficiência do aprendiz a partir das quatro habilidades, em situações heterogêneas;
  9. O que é motivação para o aprendizado de línguas?
    A motivação para qualquer aprendizado pode ser intrínseca ou extrínseca. O tipo mais eficaz é o intrínseco: “Vou aprender o idioma porque eu quero.” A motivação extrínseca advém da necessidade do aprendizado do idioma para o trabalho, para fins acadêmicos, ou para relações sociais/amorosas. É possível e muito proveitoso aliar os dois tipos de motivação;
  10. O que é proficiência em idiomas?
    Proficiência é uma qualidade abstrata e virtualmente impossível de ser medida - é a capacidade de utilizar o idioma como meio de comunicação em determinados contextos. Existem inúmeros frameworks que descrevem os níveis e tipos de proficiência, mas o que eu considero mais organizado e pragmático é o Modelo Europeu de Proficiência em Línguas. Todas as vezes em que falo sobre níveis de proficiência, refiro-me a esse modelo;
  11. Quem pode ser considerado proficiente num idioma?
    Na minha opinião, um falante que queira usar o idioma estrangeiro como língua de trabalho precisa ter no mínimo nível B2. Na Europa, é muito comum encontrar funcionários estrangeiros de empresas com nível linguístico inferior ao B2. No entanto, de acordo com minhas observações, os funcionários que possuem pelo menos o nível B2 recebem mais destaque e têm mais chances de ser promovidos. Muitas vezes, a proficiência no idioma estrangeiro é incoscientemente confundida com eficiência, nível de inteligência e cultura;
  12. Que idiomas você me recomenda aprender?
    Essa resposta depende mais uma vez dos seus objetivos e da sua situação. Se fosse fazer uma recomendação para os brasileiros de maneira geral, diria: em primeiro lugar, o inglês. Infelizmente chegamos a um ponto em que quem não domina o inglês razoavelmente bem não ascende socialmente/academicamente/profissionalmente. Em seguida, o espanhol, por conta da proximidade do idioma e do contexto geográfico e político brasileiro. Outros idiomas importantes politicamente podem trazer muitos benefícios a seus falantes, como o alemão, o francês, o italiano, o russo, o árabe e o mandarim e o hebraico. Ainda, idiomas europeus menos aprendidos podem abrir oportunidades exclusivas a seus aprendizes: o holandês, o sueco, o norueguês, o polonês e o tcheco. Idiomas asiáticos, como o mandarim (já citado), o japonês, o coreano e o hindi podem oferecer oportunidades no exterior aos que têm afinidade como mundo oriental. Outros idiomas interessantes, não pelo valor econômico atrelado a eles, mas pelo valor cultural/linguístico são estes: o dinamarquês, o africâner, o swahili, o filipino, o tailandês, o grego, o húngaro, o finlandês, o persa (farsi), o búlgaro/servo/croata;
  13. É possível aprender mais de um idioma ao mesmo tempo?
    Sim. Aprender um idioma, como adquirir qualquer habilidade, é uma questão de formação de padrões cerebrais, daí a repetição e a memorização exercerem papéis importantes no aprendizado. Quando se adquire um idioma estrangeiro, uma nova área no cérebro começa a ser ativada e forma padrões sinápticos. Ao aprender um segundo idioma estrangeiro, no entanto, o cérebro precisa encontrar novas áreas e formar novos padrões. Durante um tempo, há confusão entre os idiomas estrangeiros. Esse imbroglio dura o tempo que o cérebro leva para se convencer de que se tratam de idiomas diferentes e para formar novos padrões sinápticos;
  14. É aconselhável aprender mais de um idioma estrangeiro ao mesmo tempo?
    Diria que sim. Apesar de ser clichê, a verdade é que quanto mais idiomas se aprende, mais fácil fica. A razão para tal é que o aprendiz começa a compreender não só a estrutura de um idioma isolado, mas internaliza os padrões comuns a idiomas do mesmo ramo, do mesmo tronco, e até estruturas comuns em todas as línguas do mundo, os chamados “padrões linguísticos universais”. Esse esforço comparativo acelera claramente a aquisição de estruturas de idiomas diferentes;
  15. Devo aprender idiomas muito parecidos ao mesmo tempo?
    Aprender simultaneamente idiomas como espanhol e italiano, alemão e holandês, sueco e norueguês, mandarim e cantonês pode representar um desafio ao aprendiz. O ideal é que pelo menos se separe bem o tempo dedicado a um e a outro, a fim de ajudar o cérebro a separar os padrões de cada um. Depois de um certo tempo, e com o avanço no aprendizado dos idiomas, essa confusão inicial desaparece por completo;
  16. Que material devo usar para aprender um idioma?
    A reposta é simples: tudo o que for possível e eficaz para você. Pessoas diferentes aprendem de maneiras diferentes - algumas preferem escrever tudo o que aprendem (para ajudar na memorização), outras preferem ouvir inúmeras vezes os itens lexicais/sentenças/expressões que estão aprendendo. Algumas preferem encarar tabelas gramaticais e inferir as regras a partir de dados frios, outras preferem aprender a gramática de um idioma na prática, dentro de atos de fala e textos no idioma. A gama de material didático e real disponível na Internet é virtualmente infinita, basta saber encontrá-la. Livros didáticos de línguas estrangeiras seguem basicamente dois padrões - as abordagens comportamentalista e comunicativa. A abordagem comportamentalista (behaviorist approach), como diz o nome, dá ênfase à aquisição de comportamentos - capacidades de comunicação baseadas em algoritmos linguísticos. Para tanto, os aprendizes são estimulados a memorizar itens lexicais, adquirir regras gramaticais, saber substituir itens numa sentença (drills), evitar o erro para que não se transforme em fossilização e objetivar um nível de correção e proficiência quase nativo. Por outro lado, a abordagem comunicativa dá ênfase à comunicação - diminuindo a importância dada à correção incondicional, à pronúncia quase nativa, à memorização de regras gramaticais, além de estimular o erro, por entender que a proficiência depende do output, quanto mais o aluno usar o idioma (e, se preciso for, quanto mais errar), mais rapidamente ele irá adquirir habilidade no idioma. Você deve procurar e utilizar o material que siga a abordagem mais adequada ao seu estilo de aprendizado. Os cursos de línguas também possuem métodos específicos baseados em uma dessas abordagens. Antes de fazer matrícula num curso, converse com o coordenador didático da instituição para saber mais a respeito da abordagem e dos métodos utilizados. Muitos cursos oferecem aulas gratuitas para quem está interessado em se matricular. É uma excelente oportunidade para vivenciar o método adotado em uso;
  17. É possível aprender um idioma estrangeiro sozinho?
    Sim. O aprendizado autodidata de idiomas é efetivo se desenvolvido com critério. Há muitos recursos (vários gratuitos) de tutoria de idiomas na Internet. Através deles, é possível entrar em contato com nativos das línguas estrangeiras que você aprende. Com mais esse recurso, o aprendizado de idiomas hoje não precisa mais ser 100% autóctone;
  18. Quanto tempo devo me dedicar ao idioma por dia?
    Mais uma vez - depende do tempo que você tem disponível, dos seus objetivos e da sua motivação. Em geral, o aluno deve aprender a respeitar seu ciclo de atenção e aprendizado. Adultos normais possuem ciclos de atenção de, em média, 45 minutos, com picos de atenção seguidos de devaneio a cada 15-20 minutos. Sabendo disso, e como sou uma pessoa com muita dificuldade de concentração, decidi aplicar meu “método dos 15 minutos”: todos os dias, dedico 15 minutos a uma determinada língua ou a mais de uma língua. Esses 15 minutos podem ser investidos em qualquer das 4 habilidades. Antes de dormir, por exemplo, procuro ler jornais em idiomas diferentes, dedicando 15 minutos a cada idioma, seguidos de uma pausa para água ou biscoitos. A única consequência possivelmente negativa dessa disciplina é o visível ganho de peso;
  19. Quem aprende uma língua aprende a traduzir?
    Não, a tradução é uma quinta habilidade que pode ser aprendida em cursos específicos de formação de tradutores ou com prática assistida e criteriosa de trabalho. O processo de tradução não se resume à transcrição de palavras de um idioma para o outro - é uma atividade intelectual complexa que inclui fatores linguísticos, culturais, sociais, técnicos e de criação. É perfeitamente visível a diferença entre uma tradução feita por um profissional e outra feita por quem apenas “aprendeu um idioma”;
  20. Sou tímido(a) e tenho dificuldade para falar o idioma que aprendo. Como posso resolver esse problema?
    Uma coisa importante que aprendi ao longo da minha experiência no aprendizado de idiomas estrangeiros é que preciso aprender a tolerar os meus erros. A verdade é esta: eu vou cometer erros, mesmo quando considerar meu nível de proficiência C2. Uma vez que se tolera o fato de errar, é importante aprender a detectar e possivelmente eliminar os erros gradualmente. Saber que se vai errar é a única certeza de que se tem para poder acertar. Não há espaço nem motivo para timidez aí. Outra coisa importante que aprendi é esta: a grande maioria dos falantes nativos ou dos falantes estrangeiros de um idioma também possuem um alto nível de tolerância aos erros de seus interlocutores. As línguas humanas são repletas de pleonasmos estruturais, a verdade é que é perfeitamente possível que haja comunicação mesmo quando uma parte considerável das regras estruturais é mal utilizada. É justamente isso que permite que o mundo globalizado fale inglês, mesmo com níveis relativamente baixos de proficiência. Alguns povos possuem o estereotipo de tolerar e ajudar mais os aprendizes de seus idiomas, outros parecem tolerar menos, mas a resposta para a timidez no aprendizado de idiomas é entender e aceitar que você vai soar um total idiota no idioma a princípio e, com o tempo e a proficiência, seu nível de idiotice será reduzido gradualmente;
  21. É preciso aprender a falar e entender antes de escrever e ler?
    Isso é o que advoga o método conhecido como "Naturalista". Para os defensores desse método, o aprendizado de idiomas por parte do adulto deve seguir os mesmos passos que segue a criança quando aprende sua língua materna - primeiro entender, em seguida falar e apenas muito posteriormente, escrever e ler. No entanto, as pesquisas apontam que adultos e crianças aprendem de maneiras muito distintas. Ao contrário do que o senso comum parece ser, adultos possuem capacidades de aquisição de vocabulário e estruturas gramaticais muito mais desenvolvidas que as crianças, uma vez que já possuem formada a habilidade de falar uma língua. Em suma: não existe nenhuma obrigatoriedade em se aprender primeiro as habilidades orais, essa ordem e a seleção de habilidades a serem aprendidas dependem do aprendiz, de seus métodos preferidos de estudo e de seu contexto;
  22. O que é fossilização? Como posso evitá-la?
    A abordagem comportamentalista concebe como fossilização a repetição consistente e a formação de hábitos de uso considerados "errados", quer seja, não-condizentes com as regras da gramática normativa de uma determinada língua. Erros fossilizados seriam muito mais difíceis de ser eliminados ou corrigidos. Em qualquer atividade humana, uma vez que os caminhos sinápticos já foram estabelecidos para uma determinada tarefa, é sempre difícil refazê-lo ou desviá-lo. No entanto, a importância negativa da fossilização é, por vezes, exagerada. Todos os falantes de idiomas, inclusive nativos, possuem estruturas fossilizadas, escolhas permanentes, vocabulário utilizado com frequência. Para os puristas/perfeccionistas, os "erros" fossilizados podem ser sistematicamente eliminados através de exercícios de memorização, repetição e substituição (drills).
  23. O ideal é aprender idiomas estrangeiros com professores nativos?
    Não necessariamente. Professores de idiomas precisam, antes de qualquer outra coisa, possuir conhecimentos adequados da língua que ensinam e conhecimento técnico/didático, formação para ensinar. Um falante nativo do idioma estrangeiro não é necessariamente um bom professor. Na minha experiência, principalmente ao aprender alemão no curso oficial do idioma do Ministério da Cultura alemão, sempre considerei os professores brasileiros melhores que os alemães, justamente por entenderem, como falantes nativos do português, as principais dificuldades e problemas que falantes do português enfrentam ao aprender a língua. É importante, no entanto, que o professor de idioma tenha conhecimentos profundos da língua estrangeira, tenha conhecimentos culturais dos países onde a língua é falada e, se possível, tenha tido contato in loco com falantes do idioma;
  24. O ideal é aprender línguas até os 7 anos de idade?
    Segundo algumas proposições teóricas, existe uma "idade crítica de aquisição de idiomas", até os sete anos. Após essa idade, com a estrutura linguística completamente formada, a criança já passaria a enfrentar todos os problemas que os adultos enfrentam ao aprenderem um idioma estrangeiro. É consenso que o bebê é capaz de aprender qualquer das línguas humanas se inserido naquele meio, embora pesquisas apontem para diferenças fisiológicas no aparelho fonador de determinados grupos étnicos africanos, o que poria em jogo a universalidade das línguas. Após uma determinada idade que eu acredito ser muito antes dos 7 anos, talvez aos 4, a criança, com os pontos de articulação do aparelho fonador já estabelecidos e com a gramática estruturada, passa a enfrentar dificuldades diferentes daquelas que teve ao aprender sua língua materna. No entanto, números imemoriais de casos comprovam que crianças e adultos de qualquer idade podem aprender línguas estrangeiras, dominá-las relativamente bem e usá-las em muitas situações contextuais. Geralmente, quando se fala em "aprender uma língua perfeitamente", aponta-se para o "sotaque nativo" (cf. pergunta 25);
  25. É possível falar uma língua estrangeira sem sotaque?
    O sotaque é o conjunto de modos e pontos de articulação, elementos segmentais (sons e combinações de sons) e supra-segmentais (entonação, tons, tonicidade etc.) que um falante adquire ao aprender uma língua (materna ou estrangeira). Quando aprende sua língua materna, o bebê na verdade seleciona os elementos fonéticos e fonêmicos de seu arcabouço "universal" e passa a usar apenas os que correspondem à sua língua. Com isso, o bebê "desaprende" a fonética de todas as outras línguas. A partir daí, qualquer língua estrangeira que a criança aprenda (excluindo-se os casos de bilíngues e afins) sofrerá interferência do sistema fonético de sua língua materna. O sotaque é nossa mais primordial identidade. No momento em que uma pessoa abre a boca para prolatar palavras, ela deixa transparecer suas origens, sua camada social, seu grau de instrução formal e muitas outras características culturalmente estabelecidas. Falar uma língua sem sotaque é perder um pouco dessa identidade. Algumas culturas, como notadamente os franceses, parecem fazer questão de deixar transparecer seu sotaque quando falam línguas estrangeiras. Algumas línguas parecem ter "mais sotaque" ou "menos sotaque", mas isso depende mais do ponto de vista e da recepção do interlocutor. Diz-se que o brasileiro tem "pouco sotaque" ao falar línguas estrangeiras, o que não é absolutamente verdade - o brasileiro possui sotaque bastante marcado e perceptível, pelo menos nas línguas em que eu já tenha observado e pesquisado, como espanhol, inglês, alemão, italiano, entre outras. Para "perder" o sotaque, o que o aprendiz precisa fazer, teoricamente, é estabelecer novos pontos e modos de articulação, além de reproduzir a tonicidade, tonalidade e entonação da língua estrangeira. Um bom exercício é ouvir falantes nativos e imitá-los, chegando o mais próximo possível na produção de todos esses elementos citados. No entanto, análises mais profundas da fala, as que levam em consideração os formantes (medições em Hz) dos sons produzidos por falantes estrangeiros, apontam que a perda total do sotaque é extremamente incomum, sendo possível apenas em casos em que o falante fica por muito tempo imerso na sociedade estrangeira, ou possui muito contato com falantes nativos por um tempo muito prolongado. Acredito que "falar como um nativo" deva ser a meta do aprendiz perfeccionista, mas é preciso ter consciência de que o objetivo é utópico - o desenvolvimento advindo de sua perseguição é que é vantajoso para o aprendizado;
  26. Os professores de línguas estrangeiras devem morar no exterior?
    O contato in loco com a cultura, a língua e a sociedade estrangeira é muito importante para a formação adequada do professor de idiomas. Um professor que já tenha morado no exterior e que tenha formação didática tem mais chance de ser um profissional mais bem preparado para exercer o cargo que aquele que tem formação didática, mas nunca esteve no exterior. No entanto, o fator imprescindível aqui é a formação didática, e não a vivência no exterior. Com a Internet, a imersão em idiomas estrangeiros é cada vez mais possível sem nunca ter de sair de casa. Hoje é perfeitamente exequível desenvolver habilidades em idiomas estrangeiros mesmo sem precisar viajar ao exterior;
  27. É melhor aprender línguas no exterior ou no Brasil?
    Em geral, cursos de "imersão" ou "intensivos" de línguas no exterior fazem pouca diferença no desenvolvimento da língua estrangeira. A principal vantagem dos cursos é a viagem em si, a vivência no exterior e, principalmente, o contato com falantes nativos, com a cultura e com a sociedade estrangeira. Para isso, não é preciso necessariamente fazer um curso no exterior, mas apenas integrar-se de alguma forma à vida no país estrangeiro por algum tempo. Também há pouca vantagem em fazer cursos no exterior nos níveis A1-B1. Em termos de investimento financeiro, é muito mais conveniente passar pelos níveis mais elementares no Brasil e, assim que o seu nível for suficiente para manter uma conversa fluida sobre diversos assuntos na língua estrangeira, viajar a um país onde a língua é falada e integrar-se à cultura de alguma forma;
  28. Qual a vantagem dos programas de imersão?
    Em princípio, programas de "imersão" ou "intensivos" vão contra a maneira com que adultos aprendem uma língua (ou qualquer outra habilidade). A formação de hábitos, a aquisição de novas habilidades demanda tempo, repetição, sistematicidade. Cursos de imersão e cursos intensivos são, a meu ver, uma conveniência criada pela falta de condições de tempo e dinheiro da vida pós-moderna. As vantagens desses programas precisam ser melhor estudadas, mas minha experiência diz que o ideal é dar tempo ao tempo e aprender no ritmo normal de aprendizado humano;
  29. É possível aprender uma língua em 6 meses?
    Não, com exceção de situações extremamente específicas - em que, por exemplo, o aprendiz seja transportado para um país remoto em que não terá nenhum contato com qualquer outra língua ou cultura e em que se verá obrigado a utilizar a língua estrangeira para a própria sobrevivência por um período prolongado de tempo diário. Em geral, o adulto precisa dar tempo a si mesmo para aprender uma habilidade. O aprendizado de idiomas deve ser considerado mais uma maratona que 100 metros livres;
  30. Quantas línguas é possível aprender no máximo?
    Impossível dizer. Relatos antigos revelam falantes notáveis de 50 ou mais idiomas. O Cardeal Mezzofanti, no século XIX, foi estudado por cientistas e falava comprovadamente 29 línguas e dialetos. Poliglotas recentes, com vídeos no YouTube comprovando suas habilidades, falam de 10 a 25 línguas fluentemente. O número máximo de línguas que um ser humano pode dominar depende apenas das capacidades cognitivas, do tempo investido e da dedicação exclusiva do indivíduo. O que posso dizer é que, apesar do cliché, quanto mais línguas se fala, mais fácil é aprender outras, pois as estruturas comuns a línguas de mesmo tronco, de mesmo ramo e a todas as línguas auxiliam o cérebro a fazer as comparações e relações necessárias, acelerando e aprimorando o processo de aprendizado.
Mandem suas sugestões e perguntas nos comentários que eu as acrescento à lista.

Um abraço,
Rafael