Sou um dos 100 milhões de pessoas (é, concordância estranha, mas correta) que já assistiram a um filme 3D. No meu caso, Avatar, pelos idos de dezembro de 2009.
Assisti ao filme enquanto tinha uma crise de dores causada por cálculos biliares, mas vou fazer o possível para tecer comentários livres do trauma somático.
Ao adentrar o pórtico das salas, a primeira preocupação do marinheiro de primeira viagem 3D já havia emergido – como se faz para usar os óculos de sol do século 22 3D se você já foi abençoado com o dom da miopia e não pode usar lentes de contato? E a preocupação esvaiu-se rapidamente, parece que o designer/engenheiro que idealizou o equipamento felizmente usava óculos, pois vão perfeitamente por cima dos nossos e ouso até dizer que ficaram confortáveis.
Depois de um warm-up de algumas propagandas de filmes em 3D, começa o LM simultaneamente às reclamações de vizinhos de cadeira de dores de cabeça, tonturas, náusea e felizmente nenhum vômito.
Confesso que tive um pouco de dor de cabeça (ignoradas todas as demais dores biliares e pancreáticas) no começo e fui-me acostumando com o passar do filme. Em algumas pessoas, no entanto, os sintomas podem ser mais graves, chegando mesmo a impossibilitar que o espectador continue a assistir ao filme (sabe aqueles frescos que não conseguem ler em ônibus? Pois é…).
O cérebro do espectador de um filme em 3D não entende o que está acontecendo nos primeiros minutos de filme – aquilo é tudo muito novo. Mas, como os animais mais adaptáveis da natureza, vamos nos acostumando à visão forçadamente em terceira dimensão. Digo forçadamente, pois é uma reprodução completamente artificial, e enganam-se os que acham que as imagens são mesmo em 3D. A reprodução do filme é, como não podia deixar de ser, em duas dimensões. Se alguém assiste a uma projeção em “3D” sem os óculos especiais, só vê imagens borradas, desfocadas. Os óculos “enganam” o cérebro, fazendo com que o ponto de foco de um olho se aproxime anormalmente do outro, o que dá o “efeito 3D”. O fenômeno é mais ou menos aquele de quando tentamos, naqueles livros de ilustrações de ilusão de óptica, ver mensagens escondidas, figuras camufladas. O filme em 3D engana o cérebro.
Uma coisa que me irritou muito durante o filme foram as legendas – elas ficam a 2 metros de mim, flutuando sobre o background! Por quê? Eu me recuso a acreditar que não haja recursos técnicos para deixar a legenda no mesmo plano do fundo! Legendas flutuantes são irritantes…
O filme é indubitavelmente bem produzido, a estória é razoavelmente inteligente, as alusões religiosas e morais (apesar de descaradamente misturadas) são interessantes, os efeitos especiais revolucionarão a maneira com que se faz filme de ficção, mas uma coisa me faz repugnar a projeção em 3D mais que qualquer outra – o fim da liberdade de visão do espectador.
Explico: até agora, com reproduções em 2D, o espectador, bem ou mal, tinha “escolha” – podia olhar para onde quisesse. Particularmente, adoro olhar para os cantos das telas. Me divirto vendo erros de continuismo, por exemplo, ou de produção, às margens das cenas, achando relógio de pulso num figurante de Gladiador, vendo um avião passar no canto superior esquerdo de uma cena de Troia, vendo a mão refletida de um cameraman em Superman, entre muitos outros.
Claro, o diretor bidimensional ainda possui recursos para limitar nossa mirada através de recursos de direcionamento de foco, cortes, closeups etc., mas a rigor o espectador de um filme em 2D olha para onde quer.
Com o filme em 3D, essa liberdade acabou – por uma questão fisiológica. Eu tentei olhar para os cantos, juro que tentei reparar nos pés dos Na’Vi, nas plantas no fundo, na textura da água, entre muitos outros, mas não dá… Se você não acredita, pague seus R$ 50,00 e tente olhar para os cantos, tente não olhar para o rosto dos personagens durante o filme. Ao final, tente contar seus dedos da mão. Se vir 7 ou 8, o “efeito-prisão 3D” já deve ter se inoculado. No 3D, o espectador olha para onde o diretor quer que se olhe. Sem escolha, sem choro. É uma nova maneira de se assistir a LMs. O tempo e principalmente os milhões em marketing decidirão se a moda pega ou não.
Não me imagino (ainda) jogando video-game em 3D ou assistindo a filmes 3D em casa, creio que o efeito fisiológico numa tela mais próxima seja ainda mais devastador, com a movimentação frenética em jogos de ação então… prefiro não imaginar.
Enfim, onde jaz a necessidade de se assistir a projeções em 3D? Que efeitos fisiológicos isso pode causar a longo prazo? Como avaliar plenamente a fotografia de um filme em 3D se eu não posso olhar para onde quero?
3D pra quê?
Abraços,
Lanzetti
3 comments:
lanzetti,
ainda nao tive oportunidade de assistir a um filme em 3D, mas assim que o fizer, traçarei alguns comentários sobre o tal.
eu tb me divirto com os erros de continuismo em filmes e novelas (não que eu as assista com frequencia...)
ab
é cara ... tomara que nos dê liberdade para a escolha... aliás, curti muito a experiência, mas nao achei-a "avassaladora"como tentam, vender ...
grande abs
Emerson "Yupitu"...
Eu assisti Alice in Wonderland aqui e achei bem interessante, mas realmente, demorei a me acostumar com a sensacao que os oculos causam! Parece realmente que voce esta tentando olhar para a ponta do nariz por um tempo demasiado longo. Entretanto, gostei da experiencia, achei interessante como as coisas parecem estar ao alcance das suas maos. Estou ate bem chateada, ja terei voltado pro Brasil na estreia de Clash of the Titans, pois com certeza nao pagarei o absurdo cobrado ai para assisti-lo!
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