Sunday, May 13, 2007

Como dominar um instrumento musical em 15 minutos


Olá a tod@s,

o assunto de hoje, música. Pra começar, veja uma citação de Samuel Johnson (esse camarada aí de cima):

"Difficult do you call it, Sir? I wish it were impossible."

Agora vamos entender a sentença. Samuel Johnson, escritor, tradutor e lexicógrafo inglês do séc. XVIII (quem quiser saber mais sobre ele, pode ler um artigo aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/Samuel_Johnson), proferiu tal sentença quando, durante a performance de um consagrado violinista, conversava com um seu amigo sobre habilidade, capacidade, essas coisas. Minha interpretação da citação é a seguinte: Johnson, vislumbrando sua própria incapacidade, desejava que o tal violinista fosse uma aberração da natureza, que tocasse coisas que ninguém jamais tocaria, reduzindo, assim, de certa forma, a inabilidade das outras pessoas não-dotadas, dos meros mortais.

Isso nos leva à primeira dicotomia do dia: dom vs. talento. Antes de mais nada, vamos às definições: Dom seria a habilidade inata, genética, de um ser humano para realizar uma ou mais determinadas tarefas. O dom não se escolhe, nasce-se com ele. Como diz a palavra inglesa, gift (a palavra portuguesa também vem do mesmo radical, já que sua origem está relacionada ao verbo latino donare), o dom é um presente divino, dado a grupo de privilegiados, ou chamados, como queira. Aliás, a palavra chamado vem do grego ekklésios, e daí se origina a ekklesía, igreja - lugar onde se reúnem os chamados. Já o talento é uma habilidade adquirida com treinamento, esforço, suor e lágrimas.

Antes de continuar, deixem-me levá-los a fitar uma outra dicotomia: a visão germânica vs. a visão latina. Historicamente, a visão latina, fortemente influenciada pela instituição Igreja Cristã e por ideologias judaicas, muito dependentes da figura do Autor, Deus, Jeová, sempre apregoou que o que é dado aos homens vem de Deus. Sem nenhum julgamento ético, o que vejo aqui é a total dependência do divino no que tange a distribuição de tarefas sociais. Sou professor porque Deus quis assim. Meu tio é marceneiro porque Deus também assim o quis. Na sociedade latina, cristã, mais especificamente católica, portanto (e podemos vê-lo claramente na sociedade brasileira), o artista é aquele ser superior a quem foi dado um dom especial, um iluminado, um sortudo que nasceu com a bunda virada para a lua.

Por outro lado, a visão germânica, fortemente influenciada pelos preceitos protestantes de Lutero, Zuínglio, Calvino e Wesley, sempre prezaram pelo esforço, pelo trabalho. Tanto, que, à época da colonização inglesa no Novo Mundo, os peregrinos consideravam "abençoado" aquele que, com seu trabalho, prosperava financeiramente, tinha uma grande e eficiente família. O protestante sempre foi mais industrial que o católico. Por que será que, dentre as 10 nações mais ricas do mundo, 7 são protestantes? Será que religião e economia possuem linhas de interseção? Acho melhor não entrar nesse assunto agora, mas aqui vai um fato: o pai da sociologia alemã, Herr Max Weber, escreveu, em 1900, uma obra denominada Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus (A ética protestante e o espírito do capitalismo) em que argumenta que o capitalismo do fim do século XIX só foi possível devido à ética do individualismo e da eficiência dos protestantes germânicos.

Moral da história da dicotomia número 2: o latino, que crê em dons divinos, não apresenta a ética do esforço, não quer suar a camisa para aprender a fazer uma coisa para a qual acha que não possui dom. O germânico, que acredita no treinamento e em resultados, procura se esforçar, treina, estuda, a fim de cumprir o objetivo a que se destina. Só pra se ter uma idéia: existe uma plantinha pequenina que dá uma florzinha minúscula e que tem a propriedade de nascer em quase qualquer terreno, em qualquer clima. No Brasil, essa plantinha se chama Maria-sem-vergonha porque dá (!) em qualquer lugar. Na Alemanha, a mesma planta se chama Fleissiges Lisschen, ou "Elisinha esforçada" pois, com seu esforço, alcança esse surpreendente resultado de nascer em muitos lugares diferentes. É clara a diferença de visão, não é?

Minha posição: tendo a acreditar em talentos, habilidades que podemos desenvolver com o tempo, com o treinamento adequado e com paciência. O brasileiro, que não quer ter trabalho, espera aflorar o dom, e só assim se dedica, por exemplo, a uma atividade artística. Quando vê, porém, que o processo é demorado e de poucos resultados imediatos, logo desiste, dizendo que "não tem o dom praquilo".

Mas... Rafael, você não acredita em dom? Se duas crianças com o mesmo background social e intelectual começam a aprender um instrumento musical, o resultado das duas será o mesmo? Será que, em determinadas circunstâncias, uma das crianças não pode demonstrar uma certa, digamos, "facilidade" para a tarefa? Olha, minha educação paterna relativamente cética não me permite acreditar que essa "facilidade" derive de alguma informação genética (essa visão é denominada naturalista ou mesmo reducionista, proposta por alguns biólogos e biomédicos que acreditam que tudo que fazemos bem ou mal está descrito em nosso código genético). Creio que a "facilidade" tenha origem em três fatores:

1. Histórico ambiental - o grau de contato que a criança já teve com aquela atividade, ou mesmo com informações sobre ela;
2. Motivação externa - fatores circundantes que nos motivam a realizar uma tarefa ou desenvolver uma habilidade. Ex.: pressão psicológica dos pais, seu chefe dizendo que você precisa aprender inglês senão perde o emprego, o fato de você saber que aquela gatinha adora violão e ama quem toca bem o instrumento (sem duplo sentido), necessidades das mais diversas ordens, financiamento, entre outros;
3. Motivação interna - a motivação que vem de dentro de você, sua "vontade" de aprender.

Desses três fatores, o que obviamente se mostra mais eficaz é o terceiro. Assim, acredito que o ser humano, dotado por Deus (aí sim) de inteligência, capaz de realizar qualquer coisa, pode aprender, por meio de seu próprio esforço, motivado por fatores internos e externos, a realizar qualquer tarefa. A música é mais uma das artes que requer esse tal esforço.

Mas... Rafael, e o caso dos gênios? Mozart (já compunha aos 6 anos)? Beethoven? Bach (mudou a história da música)? Vila-Lobos (nunca pisou numa escola de música)? Bem, você mesmo não os chamou de gênios? Portanto, são aberrações. Você também é uma? Não? Então, não há jeito - você vai ter que se esforçar.

Voltando à música: quero aprender um instrumento, como faço?

A primeira coisa que se tem de entender é: não há idade para se começar. No entanto, o processo é menos dolorido quando se começa cedo. Eu tive a sorte de começar a aprender piano aos 5 anos de idade, numa época em que meus pés sequer alcançavam os pedais do piano. Aprender as musiquinhas infantis, inescapáveis no início do processo de aprendizagem de um instrumento musical, era "natural", já que era criança. Um adulto não pensa da mesma forma. A mesma coisa ocorre quando se aprende uma língua estrangeira, pois há o que os linguistas chamam de "período crítico de aprendizagem de língua" que, segundo o consenso da maioria dos teóricos, vai até os 7 anos de idade (vou falar melhor sobre isso noutro dia). O que quero dizer aqui é que um adulto vai precisar de uma boa dose de paciência a mais para aprender a tocar um instrumento musical, em comparação com uma criança.

Segunda coisa: que instrumento escolher? Bem, há três tipos básicos de instrumentos, os melódicos, os harmônicos e os rítmicos. Os intrumentos melódicos são capazes de produzir uma nota a cada vez, formando uma "melodia". São os instrumentos para solo, aparecem mais e, portanto, ideiais para quem gosta de sobressair, aparecer, mostrar-se para uma menina. Podem ser de sopro (os que recomendo para iniciantes são flauta doce, escaleta, flauta transversa e saxofone alto) ou de cordas (comece com um violino ou violoncelo). O grande inconveniente dos instrumentos de sopro, em especial da flauta transversa e do saxofone, é uma coisa chamada embocadura, a maneira como o instrumentista tem de posicionar os músculos da boca e da bochecha para produzir um som belo e firme. Até lá, o que demora, em média, um ano, o som que se ouve é de taquara rachada. Os intrumentos melódicos de corda têm aprendizado mais demorado, tem maior extensão musical, e poucas pistas de posição para iniciantes. O braço do violino não possui marcações. No início, o aprendiz precisa "adivinhar" onde exatamente cada corda precisa ser roçada pelo arco.

Os intrumentos harmônicos, os que têm a capacidade de produzir mais de uma nota de cada vez, formando acordes (agrupados de notas simultâneas) são obviamente mais complexos, como o piano, o violão/guitarra e o órgão/teclado, para citar os mais comuns. Só para se ter uma idéia, o pianista precisa coordenar movimentos na mão esquerda com movimentos completamente diferentes na mão direita, usando, para tanto, os dois hemisférios cerebrais ao mesmo tempo (são poucas as atividades humanas que requerem tal coisa, como a interpretação simultânea). A vantagem dos instrumentos harmônicos é a possibilidade de tocar sozinho, sem outros instrumentos, realizando toda a harmonia necessária a uma música completa.

Os instrumentos rítmicos, como a bateria, requerem uma boa dose de coordenação motora, mais poupam tempo de aprendizado de noções melódicas e harmônicas. Em outras palavras, um pianista precisa saber melodia, harmonia e ritmo; um saxofonista, melodia e ritmo; um baterista, ritmo.

Depois, você precisa decidir para que vai aprender um instrumento. Quer ser um virtuoso? Quer tocar no grupo de pagode da birosca? Quanto tempo e quanta dedicação serão atribuídos à aprendizagem do instrumento? Costumo dizer que, para aprender um instrumento musical, é necessário dedicar 1 hora do dia ao instrumento, pelo menos no início. Depois, esse tempo pode ir gradualmente diminuindo à medida que o instrumento for se tornando uma "extensão do seu corpo".

Agora vem a famigerada pergunta: tocar de ouvido ou aprender a ler partitura? Essa dicotomia pode ser resumida numa outra: aprender a fazer fazendo (na prática) ou estudando (na teoria)?

Hm, eu não sou a pessoa mais indicada para responder à pergunta imparcialmente. Sou acadêmico, acredito na Academia, acredito na teoria. A teoria, apesar de parecer, até certo ponto, inútil e abstrata, dá as bases críticas para que se desenvolva uma boa praxis. É possível aprender a traduzir sozinho, assim como é possível aprender a tocar um instrumento sem saber ler partituras, mas a diferença entre o tradutor que aprendeu traduzindo e o que fez um curso de tradução é que este segundo sabe criticamente o que está fazendo, que ferramentas linguísticas está utilizando, que processos de busca interna e externa está aplicando - o que certamente contribui para que o resultado final seja melhor. O músico que não sabe ler/escrever partituras poderá tornar-se um virtuoso, mas nunca poderá: 1. saber que notas, em que tom, em que cadência está tocando e 2. perpetuar o que toca, imprimindo em partitura essa sua virtuosidade.

Alfredo Vianna, mais conhecido como o eterno Pixinguinha, passou quase 20 anos de sua carreira de compositor de choros tendo que ditar suas composições a amigos que sabiam escrever partituras. Quando finalmente resolveu aprender teoria musical, libertou-se, passando a compor sozinho. Para a maior parte dos críticos musicais - e para o próprio Pixinguinha - a melhor fase de sua música é a pós-teoria. Ah, falando nisso, e aqueles métodos de banca de jornal para aprender sozinho... funcionam? A resposta é: não. Procure uma escola de música.

Em último lugar, deixem-me fazer uma derradeira pergunta: para que aprender um instrumento musical? Basta dizer que a música desenvolve e enriquece inteligências e atividades múltiplas, como a percepção, a atenção, a recepção e produção fonética (excelente para quem aprende línguas estrangeiras), o reflexo, a lateralização do cérebro (a capacidade de realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo, exigindo ativação de áreas diferentes do cérebro), a leitura dinâmica (para quem lê partituras), a sensibilidade, a paciência, a autonomia, a administração do tempo, a automatização e coordenação motoras. Em suma, aprender música é um ótimo negócio.

C'est ça. O que temos aqui é uma introdução. No futuro, falarei melhor sobre alguns dos instrumentos citados.

Aprendam música.

Grande abraço,

Rafael Lanzetti

7 comments:

Anonymous said...

Cara gostei de mais desse texto, esta muito pra baixo, sou um músico frustado, justamente porque não dedico muito tempo pro instrumento musical, você me motivou pra caramba.
muito obrigado

valeu

Anonymous said...

era buscava saber... para começar OBRIGADA!

Lucs said...

Meu Deus. Eu amo musica, comecei a aprender violão/guitarra.... Peguei bem rapido as notas pq treinei MUITO na primeira semana, ja no começo soube oq era ter as pontas dos dedos dormentes por causa de calo *-*....O problema é que eu não sabia oq fazer com os acordes, não tinha ritimo pra tocar uma musica. Fui desanimando pq me achava inutil sabendo notas e nao saber usar elas harmonicamente. Venho pensando em aprender violino, gosto mt e acho que me dou melhor com a parte melódica.
Alguma dica?
texto ótimo

Thiago said...

Caí de paraquedas vindo do Google, apenas procurando exemplos de instrumentos harmonicos/melódicos, e acabei me deparando com uma ótima leitura. Parabéns! Vou conferir o blog.

Andressa "AnGie" Bergsleithner said...

nossa!muito bom texto! estás de parabéns!

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