Thursday, June 28, 2007

Ó Xenti, mininu!

O Brasil tem dialetos? Tem sim, sinhô. Basta definirmos propriamente o que sejam dialetos.

O termo vem do grego diá (através) + leto (part. pass. do verbo legein, lego, que, dentre outras coisas, quer dizer "dizer").

Existem 3 categorias primárias de dialetos: os diaétnicos, os diastráticos e os diatópicos.

1. Dialeto diaétnico (do grego diá + ethnós, "etnia, raça") - São dialetos que variam de acordo com uma etnia. No Brasil, não há dialetos diaétnicos populacionalmente relevantes, mas os EUA têm um número impressionante de falantes de dialetos raciais, como o Ebbonics (o nome é derivado de ebony, marfim). Esse dialeto, falado pelos negros americanos de áreas urbanas e rurais (que, por sua vez, possui uma infinidade de variações locais), tem um sistema fonético e gramatical próprio, além de centenas de itens lexicais que só podem ser entendidos pelos seus falantes. Um falante de Ebbonics de Nova York, por exemplo, não pronuncia a fricativa interdental sonora [ð] como em this ou that, mas sim a oclusiva alveolar sonora [d]. Para eles, o primeiro som de that é o mesmo primeiro som de dog. Ainda, a maior parte dos verbos possui flexão diferente da do inglês padrão. Uma típica flexão verbal no Ebbonics é assim:

I goes
you go
he/she/it go
we go
you go
they go

Formas já bastante conhecidas (mas ainda não aceitas no inglês padrão), como o ain't, têm sua origem no Ebbonics. Mas, não se iluda, o Ebbonics de Nova Iorque é completamente diferente do Ebbonics do Arkansas, que, por sua vez, é diferente do Ebbonics da Geórgia, e assim por diante. Até mesmo entre os burrows (bairros) de NY, é possível encontrar algumas diferenças marcantes. Em princípio, o Ebbonics é quase ininteligível para falantes de inglês padrão.

2. Dialeto diastrático (do grego diá + stratos, camada, no caso, camada social) - Essa variação linguística tem a ver com a classe social a que o falante pertence. Essa sim existe (e de forma bem marcada) no Brasil. No Rio de Janeiro, por exemplo, é possível encontrar diferenças sintáticas, semânticas, lexicais e mesmo fonéticas entre os moradores da Zona Sul e da Zona Norte, ou entre os moradores do "asfalto" e das favelas.

3. Dialeto diatópico (do grego diá + tópos, lugar) - Variação linguística de acordo com a região geográfica dos falantes. Obviamente, por razões de exclusão social, os pobres habitam regiões separadas das dos ricos, portanto todo dialeto diastrático (e, muitas vezes, também o diaétnico) seria um dialeto diatópico. No entanto, o que diferencia este daquele é que, no dialeto diatópico, a variação linguística não depende exclusivamente da classe social a que o falante pertence, mas da região onde vive, seja lá a que classe pertencer. Existem muitíssimos dialetos diatópicos no Brasil, do Oiapoque ao Chuí. Aqui estão alguns links para "dicionários regionais". Alguns são mais engraçados que úteis; outros, mais úteis que engraçados:

Paulistanês: http://desciclo.pedia.ws/wiki/Paulistanês
Gauchês: http://www.galpaovirtual.com.br/dicionario.php
Carioquês: http://www.geocities.com/carraroabcc/diciore.htm
http://gockinrio.blogspot.com/2006/07/dicionrio-carioqus.html
http://www.mail-archive.com/piadas@news.com.br/msg00837.html
http://www.hiro.com.br/download/textos/dic_carioca.txt
Nordestinês: http://paginas.terra.com.br/lazer/flavioalencar/culturaediversao/cultura_popular/literatura_dicne.htm
Pernambuquês: http://cabana.t35.com/Turismo/Pernambuco/dicionar.htm


Existe, no entanto, uma diferença fundamental entre os dialetos brasileiros e os europeus: os dialetos brasileiros possuem, de maneira geral, níveis de intercompreensão muito maior que os dialetos europeus. Um alemão de Munique provavelmente teria muito mais dificuldade para entender um nativo de Hamburgo que um nordestino para entender um gaúcho. Os dialetos italianos (existem mais de 40) são quase ininteligíveis para quem mora a 100 Km ou mais de distância de seu centro linguístico. A Suíça, um país do tamanho do Estado do Rio de Janeiro, possui tantos dialetos quanto Cantões (26) e, no Brasil, todo mundo se entende (até certo ponto). Bom, seria isso um mito? Em parte. Regiões muito isoladas, principalmente em áreas rurais, podem desenvolver dialetos ininteligíveis para a maior parte dos brasileiros, mas é verdade dizer que a maior parte dos dialetos diatópicos são de relativamente fácil compreensão para a maior parte dos brasileiros. Por quê? Como pode ser isso? O Brasil é um milagre linguístico?

A resposta dessa pergunta é bem mais complicada que o que vou escrever aqui, mas prometo voltar ao assunto no futuro. A culpa dessa relativa unidade linguística é de um camarada chamado Marquês do Pombal. Pois é, depois do terremoto devastador em Lisboa, em 1755, e depois de ter reconstruído a cidade completamente (isso eu tenho que reconhecer. Dizem que, no dia seguinte ao terremoto, o Marquês já tinha traçado um plano completo de reconstrução da cidade. Os lisboetas o admiram muito, há uma estátua enorme desse camarada no final de uma das principais avenidas de Lisboa), o Marquês veio para o Brasil juntamente com a comitiva de D. João VI. Ah, falando nisso, por que cargas d'água D. João VI veio para o Brasil? Esqueçam tudo o que os livros de História lhes disseram na escola. D. João VI, aquele gordo glutão e sua esposa maluca, vieram pra cá porque se borravam de medo de Napoleão, só isso.

Voltanto ao assunto, Marquês de Pombal tomou, aqui no Brasil, medidas dramáticas em relação à nossa realidade linguística. Em primeiro lugar, expulsou do território colonial os Jesuítas, que haviam feito um trabalho excelente de construção e implantação de escolas, compilação de dicionários e gramáticas de línguas indígenas, dentre outras coisas. Só que essa benfeitoria tinha seu preço, obviamente - as almas e a aculturação dos pobres índios... Outra coisa que Pombal fez foi proibir terminantemente o uso de Nhangatú. Nhan... o quê? Nhangatú era uma língua geral, uma mistura de português europeu com tupi, falada pela maior parte dos nativos, os filhos dos portugueses nascidos no Brasil no século XVIII. O português foi imposto e os defensores do Nhangatú, dizimados. Isso é bom? Certamente não. Em primeiro lugar, porque uma das formas de repressão mais psicologicamente violentas é proibir alguém de falar sua língua materna. A meu ver, não existe proibição mais séria e profunda que essa. Muitos foram mortos, de verdade. Na Nigéria, na década de 80, houve inclusive uma guerra civil por questões linguísticas (e, consequentemente, de poder). Em segundo lugar, como se diz em biologia, "quanto maior a variedade de genes de uma espécie, mais forte ela será". Na linguística, uma língua é tanto mais rica quanto mais variadas forem suas influências, seu tesouro lexical e sua diversidade de origens. Hoje poderíamos ser bilíngues, falantes de nhangatú e português, assim como os bolivianos falam guarani e castelhano. Isso seria bom para nós, teríamos muito mais cultura acumulada, conhecimento de inter-relações linguísticas, raciocínio abstrato, literaturas mais diversificadas, dentre muitas outras coisas. Aliás, aqui no Rio de Janeiro, poderíamos falar francês; no Nordeste, holandês; no Sul, alemão, italiano e castelhano. Por causa da imposição psico-social de Marquês de Pombal, falamos apenas essa "língua miserável", como dizia Monteiro Lobato. Calma! Não me entendam mal, não tenho absolutamente nada contra a língua portuguesa, muito pelo contrário (e, diga-se de passagem, Monteiro Lobato também não, um dia contextualizo essa afirmação dele). Tenho contra o brasileiro ser um povo monolíngue, como o americano. O poliglotismo é uma das habilidades humanas que mais traz benefícios intelectuais. Os maiores poliglotas do mundo são os africanos, que falam, em média, 4 línguas! Pena que as línguas que eles falam não têm status político, diferente dos escandinavos, que falam 3 línguas de status político elevado.

Agora, vamos a uma outra dicotomia importante: dialeto político vs. dialeto linguístico. Se formos considerar apenas o ponto de vista linguístico de inteligibilidade de sistemas gramaticas, pragmáticos e fonéticos, poderíamos afirmar que o português do Brasil e o espanhol do Paraguai, por exemplo, são dialetos linguísticos de uma mesma língua, o galego-português-castelhano. Quem mora nos países escandinavos desfruta da mesma proximidade. Se um sueco, um dinamarquês e um norueguês conversarem entre si, cada um falando sua própria língua, poderão travar conversas quase normalmente, embora o dinamarquês seja, em aspectos fonéticos, um pouco mais afastado das outras duas línguas.

Do ponto de vista político, no entanto, as línguas se diferenciam por conta do desejo do destaque nacional. Cada país quer ter a sua própria língua (e quando uma outra é imposta, como no caso dos colonizadores europeus, a população colonizada sempre se revoltará). Visto sob esse prisma, o português e o espanhol do Paraguai são línguas diferentes, e não dialetos, pois pertencem a países hegemônicos (haha) diferentes.

Finalmente, por que as línguas se diferenciam e formam dialetos? Essa resposta é bem simples, embora o processo seja bem complicado: as línguas humanas são vivas, e mudam porque os humanos que as falam também mudam, alteram a realidade que lhes foi apresentada. Quando o homem cria algo novo, precisa criar também um rótulo linguístico para a sua novidade. Quando, por razões naturais ou artificiais, desloca-se no espaço, mudando de habitação, encontra uma outra realidade que requer outros rótulos para descrevê-la. Temos frutas na Amazônia que só existem na Amazônia, os esquimós do Canadá vêem diferenças na neve que só eles vêem (e por isso têm 7 palavras distintas para tipos de neve diferentes), os gregos inventaram rótulos para todas as teorias filosóficas criadas por eles. A língua muda porque o homem muda.

Porém, existe uma outra razão, que chamo de artificial, para o surgimento de um dialeto - o desejo declarado de destacar um determinado grupo social. Quando o negro americano começa a falar diferente, provavelmente é porque ele não quer que o branco o entenda, o que dá status a seu grupo e o protege linguisticamente. Os médicos "falam difícil" entre si (e às vezes até com os pacientes) para que seu status de detentores do conhecimento da vida e da morte seja preservado. Os professores de português adoram arrotar os nomes estapafúrdios das figuras de linguagem porque só eles as conhecem, e por aí vai. O dialeto também se forma porque o homem quer deixar claro que "é o bom".

É isso. Não percam os próximos capítulos. Obrigado por lerem até aqui.

Grande abraço,

Lanzetti

5 comments:

Pedro Vieira said...

Aí, guarani não é a lingua q se fala no paraguai? (ou se fala na bolivia tb?)

Anyway, mto bom o texto (reminiscências das aulas no senac ehhe). Onde vc arranja tempo pra dar aula, ser mágico, músico e ainda atualizar o blog com tanto conteúdo? Eu, q sou infinitamente mais vagabundo, só atualizo o meu blog com abobrinha hehe

abs, spellfire em breve hehe

Rafael Lanzetti said...

Ops, que lapso! Já vou lá remendar! Valeu!

Tempo? Se arranja...

E o spellfire? Só porque soube que o meu deck está sinistro, amarelou... tsc tsc tsc.

Abraço,
Lanzetti

dede said...

OLA LANZETTI,EU PRATICO MAUTIDELISMO,TENHO UMA LANCHA STILO DA PALMIERI UMA NITROHAMMER DA AQUACRAFT E UM AEROBARCO DA KIOSHO.PARABENS PELO INCENTIVO DO HOBBY,MORO EM SALVADOR Ba E AQUI É MUITO DIFICIL LUGARES PARA A PRATICA A MAIORIA DAS VEZES EU PRATICO EM PRAIAS E ISSO E DANOSO PARA A PARTE ELETRONICA DOS MODELOS.

Anonymous said...

Que maravilha!!!
Respostas para minhas dúdas!!!
Obrigada!!!
Abraços!!!

Anonymous said...

Dúvidas rsrsrs!
Desculpe.